Comunidades pedem projeto urgente para habitação social em Curitiba

por José Lázaro Jr. | Revisão: Vanusa Paiva — publicado 14/11/2022 15h15, última modificação 05/12/2022 17h38
Audiência pública organizada pelo vereador Dalton Borba reuniu associações de moradores, movimentos sociais, OAB-PR e Tribunal de Justiça do Paraná.
Comunidades pedem projeto urgente para habitação social em Curitiba

Audiência pública sobre moradia popular foi realizada na sexta-feira. (Foto: Carlos Costa/CMC)

Lideranças comunitárias da 29 de Março, Jardim Primavera, Tiradentes, Sambaqui e Caximba subiram pela primeira vez na tribuna da Câmara Municipal de Curitiba (CMC), na última sexta-feira (11), durante audiência pública organizada pelo vereador Dalton Borba (PDT), presidente da Frente Parlamentar da Regularização Fundiária. A atividade foi transmitida ao vivo pelas redes sociais da CMC e teve a participação de movimentos sociais, da OAB-PR, do governo estadual e do Tribunal de Justiça do Paraná.

“O direito à moradia é um direito fundamental, é onde começa a dignidade humana. É preciso que a gente tenha um espaço onde ir no final do dia e que seja de segurança”, defendeu Dalton Borba, já no início da audiência pública. “Curitiba tem hoje 453 áreas de ocupação, segundo a Companhia de Habitação Popular [Cohab], com 50 mil famílias vivendo sem infraestrutura básica, sem esgoto, sem pavimentação e energia elétrica. Dados do IBGE mostram um déficit habitacional de 80 mil domicílios em Curitiba”, contextualizou o vereador.

A audiência pública foi pautada para tratar da alternativa dos empreendimentos de habitação de interesse social por autogestão, que é uma categoria na qual a comunidade, organizada em associações de moradores, assume o comando da obra — a exemplo do realizado no “Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) Entidades”. A exposição do modelo foi realizada por Maria das Graças Xavier, da coordenação executiva da União Nacional por Moradia Popular (UNMP). Em outubro de 2021, a UNMP entregou à Comissão de Participação Legislativa da Câmara dos Deputados a proposta do Programa Nacional de Moradia por Autogestão.

“A autogestão significa que o processo é realizado de forma organizada por movimentos populares, associações, cooperativas. Mais de 50 países já fazem, mas aqui ainda enfrentamos o preconceito, apesar de termos muita casa sem gente e muita gente sem casa. Não queremos concorrer com as construtoras, até porque 80% do déficit habitacional se concentra nas faixas de renda mais baixas, nas famílias que ganham até três salários mínimos. Moradia popular tem que ser desburocratizada, tem que ter um SUS da moradia, para as pessoas terem acesso de verdade”, defendeu Maria das Graças.

A coordenadora da UNMP citou que, para áreas em litígio, é possível lutar para que os moradores conquistem um Termo Territorial Coletivo. “Primeiro a gente regulariza a terra, depois o imóvel”, sugeriu. Mostrando que o assunto já é debatido no Brasil há décadas, a arquiteta Fabiana Moro Martins, assessora do mandato do deputado estadual Goura (PDT), lembrou que desde os anos 1980 a autogestão na moradia popular já é uma realidade no Uruguai, por exemplo. Ela lamentou, contudo, que o MCMV Entidades tenha destinado apenas 1% do total do programa para esse modelo de produção de moradia.

Líder na comunidade 29 de Março, Juliana Almeida Teixeira expôs a realidade da comunidade, que teve parte das habitações destruída por um incêndio, as quais foram depois reconstruídas com ajuda de organizações sociais, em especial da Teto. “Fui chamada para falar em um projeto da ONU sobre termos energia solar na sede da associação, porque eu estava ajudando na coisa climática. A energia solar foi necessidade, porque projetos sociais usam o espaço da associação, mas lá não tinha energia elétrica. Foi necessidade”, relatou.

Juliana Teixeira contou que, no auge do racionamento, foi construída uma cisterna na comunidade, cuja inauguração contou até com a participação do prefeito Rafael Greca. Superado o rodízio, a caixa-d’água parou de ser enchida. “Agora ela virou brinquedo, as crianças é que usam, que a gente não tem parquinho.Tudo que a gente quer ter, não pode ter. A gente fica indignado”, disse, relatando como os migrantes que vêm para a cidade acabam morando nas comunidades. A líder da 29 de Março também cobrou os vereadores, pois na audiência estava somente Dalton Borba. Renato Freitas participou em parte da atividade e a assessoria da Professora Josete (PT) acompanhou toda a audiência.

Na tribuna, também falaram Márcio Rodrigues de Souza, do Jardim Primavera; o pastor Jorge Lunes, do Caximba; Paulo Bearzoti, do Movimento Popular pela Moradia, sobre a realidade da comunidade Tiradentes; e Eliane da Silva, da comunidade Sambaqui, que questionou a ausência da Cohab na audiência pública e retomou a proposta de uma secretaria específica para a moradia de interesse social, como forma de melhorar a articulação. “A gente discute a regularização da Sambaqui, pedimos orientação da Cohab, moramos ali há 17 anos”, contou Eliane da Silva, que foi relocada para a comunidade da ocupação do prédio do Banestado e hoje integra a coordenação da UNMP estadual e municipal.

Poder Público
A iniciativa dos poderes públicos mais comemorada na audiência pública não foi do Executivo, nem do Legislativo, mas a da Comissão de Conflitos Fundiários (Cejusc) do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), representada na audiência pelo seu presidente, o desembargador Fernando Antonio Prazeres. “A comissão busca soluções alternativas para os conflitos fundiários, propondo uma mediação entre as partes. Na terça, visitamos três áreas de ocupação, duas no CIC, e verificamos que uma cidade do porte de Curitiba tem situações de evidente segregação social. Não podemos admitir mais”, disse Prazeres.

O presidente da Cejusc disse que algo importante para o trabalho de mediação é que haja representação ativa de quem mora na região, para que o diálogo possa ser estabelecido. “Em uma das áreas, ninguém das famílias [alvo da ação de desapropriação] foi identificado. Não conseguimos achar uma liderança, então [a questão fundiária] corre à revelia das pessoas sujeitas à decisão judicial”, alertou o membro do TJ-PR.

Reportando-se ao déficit de produção de moradia, a pesquisadora Daniele Regina Pontes, da UFPR (Universidade Federal do Paraná), disse que um problema é a falta de “levantamento das terras”, “das áreas que são públicas e poderiam ser passíveis de produção de moradia” e dos “imóveis abandonados que não são colocados à disposição [da função social da propriedade]”. As advogadas Regina Bacelar e Mariana Auler, da Comissão do Direito às Cidades da OAB-PR, acrescentaram que, além da valoração organizativa das comunidades e da produção de moradia, é preciso avançar na regularização fundiária.

Em um tom mais otimista em relação ao futuro, Roland Rutyna, da Superintendência Geral de Diálogo e Interação Social (Sudis) do Governo do Paraná, elogiou a mudança de postura do Judiciário em relação ao tema da moradia. “Há 40 anos lutamos pelo direito à moradia. Antigamente, nunca tivemos um membro do Judiciário para fazer análise, observando no local [da disputa] se havia crianças, se as famílias tinham condições de pagar aluguel. Hoje, vemos essa garra e compromisso”, disse, direcionando-se ao presidente da Cejusc. Rutyna lamentou que no Paraná não haja experiências concluídas da autogestão.

“O que nos falta é efetivação das políticas públicas garantidas na Constituição”, afirmou José Campos Jardim, presidente da Central Única das Favelas (Cufa) no Paraná. “Eu sou favelado, estou fazendo meu mestrado estudando favelas. Fui convidado a falar em Harvard e não neguei a [Curitiba tida por] cidade-modelo, mas também não invisibilizar as favelas. O Paraná é o sexto estado do Brasil com mais favelas. Não dá para continuar inviabilizando essas pessoas, os 17 milhões que vivem hoje nesses territórios, que movimentam R$ 120 bilhões por ano na economia. Falamos de pessoas potentes, não de carentes”, defendeu Jardim.

Ao final, Dalton Borba informou que todas as sugestões dadas durante a audiência pública serão agrupadas em um único documento, que depois será distribuído aos participantes e servirá de base para sugestões ao Executivo, moções e projetos de lei na CMC.