Tribuna Livre: uma criança desaparece no Paraná a cada dois dias

por Pedritta Marihá Garcia — publicado 04/08/2021 16h53, última modificação 04/08/2021 16h53
Trabalho do Sicride – Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas da Polícia Civil foi apresentado aos vereadores em plenário.
Tribuna Livre: uma criança desaparece no Paraná a cada dois dias

“Quando nós temos um caso de desaparecimento, uma das nossas primeiras ações é criar um cartaz com a foto e os dados dessa criança”, explicou Patrícia Nobre Paz. (Foto: Carlos Costa/CMC)

A cada dois dias, uma criança desaparece no Paraná. E só em 2020, foram 169 desaparecidos segundo dados da Polícia Civil do estado. Números que reforçam a necessidade da implantação de um sistema de alerta de desaparecidos semelhante ao Alerta Ambar, já adotado em países como Estados Unidos e Canadá, e que foram apresentados na Tribuna Livre da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) desta quarta-feira (3). Nesse espaço democrático que ocorre semanalmente dentro da sessão plenária, os vereadores receberam a delegada titular do Sicride – Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas, Patrícia Nobre Paz.

 A convite de Flavia Francischini (PSL), primeira secretária da CMC, Patrícia Paz explicou que o Sicride é uma unidade que cuida do desaparecimento de crianças e adolescentes registrados em todo o estado (076.00028.2021). Ou seja, qualquer boletim de ocorrência registrado no Paraná é imediatamente encaminhado para a unidade, sediada na capital. “Quando nós temos um caso de desaparecimento, uma das nossas primeiras ações é criar um cartaz com a foto e os dados dessa criança”, explicou ela, que também é delegada adjunta no Nucria - Núcleo de Proteção a Crianças e Adolescentes Vítimas de Crimes.

 Um exemplo emblemático atendido pelo Sicride foi o de Eduarda Shigematsu, de Rolândia, desaparecida em 24 de abril de 2019 e encontrada morta quatro dias depois. A rápida comunicação do desaparecimento da criança às autoridades e posterior divulgação dos dados de Eduarda ajudou na rápida resolução do caso. “O Sicride tomou conhecimento de imediato. A equipe se deslocou até o local e iniciou todo o procedimento de busca dessa criança até que, infelizmente, quatro dias depois acabamos descobrindo que ela havia, na verdade, sido assassinada pelo próprio pai. Por mais que o caso tenha se tornado de homicídio, todas as investigações iniciaram como um caso de desaparecimento”, esclareceu a delegada.

 Patrícia Paz também informou que o Sicride é referência nacional na investigação de desaparecimentos de menores de idade – todos os casos de desaparecimentos registrados entre 2018 e 2020 foram solucionados. “Nos últimos 3 anos conseguimos obter êxito em todos os boletins de ocorrência de desaparecimento. No ano passado, tivemos 370 registros todos já solucionados. Em 2021, até o mês de junho, já foram registrados 70 casos no Paraná”, disse.  

 Importância do alerta imediato
O caso de Eduarda Shigematsu serve como exemplo também sobre a necessidade da família acionar a autoridade policial imediatamente após constatar que a criança ou o adolescente está desaparecido, para que as investigações se iniciem o mais rápido possível. “A gente sempre alerta que nesse caso, por exemplo, se essa criança [Eduarda] se não fosse localizada ali naquele momento de início, até hoje estaria no quadro de crianças desaparecidas e a mãe não poderia ter enterrado sua própria filha”, analisou.

 Eu posso dizer que já visitei alguns familiares dessas crianças desaparecidas e é uma dor inenarrável, inexplicável. Lido também com 30 outros tipos de crimes contra a criança [no Nucria] e digo que são os piores crimes possíveis. Mas quando a gente fala de desaparecimento, é um patamar acima de dor não saber sequer o que aconteceu, não poder sequer velar o seu filho”, emendou Patrícia Paz, ao argumentar porque as pessoas não precisam esperar o prazo de 24 horas para comunicar a ocorrência de desaparecimento.

 Responsável pelo protocolo do projeto de lei que institui, em Curitiba, o Alerta para Resgate de Pessoas (ARP), política municipal de contingência nas hipóteses desaparecimento, rapto ou sequestro de crianças e adolescentes (005.00171.2021), Flávia Francischini ressaltou que, a cada dois dias, uma criança desaparece no Paraná e que a divulgação imediata após o desaparecimento pode ajudar na solução rápida desses casos, diminuir o sofrimento das famílias e combater o tráfico de órgãos, de pessoas e o mercado da pedofilia.

 Com a assinatura da parlamentar e dos colegas Amália Tortato (Novo), Marcos Vieira (PDT) e Sargento Tania Guerreiro (PSL), a matéria está sob a análise das comissões permanentes e é baseada no modelo norte-americano Alerta Amber. Nos EUA, quando uma criança está desaparecida e é comunicado à polícia, imediatamente é encaminhado à imprensa. Existe Também um sistema de geolocalização, que informa a ocorrência às pessoas próximas do local. O alerta é mostrado em placas eletrônicas, TVs por assinatura, caixas eletrônicos. Amber é a sigla para “America's Missing: Broadcast Emergency Response” (na tradução, Transmissão de Emergência para Americanos Desaparecidos). O sistema foi criado após o rapto e assassinato da menina Amber Hagerman, de 9 anos, no Texas, em 1996.

 Segundo Flávia Francischini, o ARP adequará Curitiba a legislações estadual e federal sobre o tema. A ideia é que a rede digital de comunicação, para a rápida elucidação de desaparecimentos e resgate, nos casos de raptos ou sequestros de crianças e adolescentes, integre todos os órgãos municipais, meios de comunicação, organizações não governamentais e a iniciativa privada. Registrado o boletim de ocorrência, caberia a órgão da Prefeitura de Curitiba emitir o ARP, por meio de e-mails e mensagens de texto a todos os órgãos da administração pública direta, indireta e fundacional dos Poderes Legislativo e Executivo. O projeto tramita desde 20 de junho.

 Conforme a delegada, as primeiras horas do desaparecimento são “primordiais” e, por isso, a proposta em trâmite é necessária. “A vereadora nos procurou a respeito dessa lei. É importante que os vereadores tenham conhecimento de que, no combate, na busca de desaparecimento de crianças e adolescentes, as primeiras horas são primordiais. Inclusive, gosto sempre de salientar, muitas pessoas entendem que tem que haver um prazo de 24 horas para comunicar uma ocorrência de desaparecimento: isso não existe. Pelo contrário, a orientação é que esse desaparecimento seja comunicado de imediato para que então possamos iniciar as buscas”, reforçou.  

 Debate com vereadores
Após sua explanação, Patrícia Paz respondeu dúvidas de alguns parlamentares sobre o atendimento do Sicride. A Herivelto Oliveira (Cidadania), que indagou sobre importância da internet para a busca de desaparecidos e sobre a investigação de casos antigos, como de Guilherme Tiburtius, que desapareceu em 17 de junho de 1991, em Curitiba, a delegada orientou que a web, apesar de alguns malefícios – como o de ser um espaço propício para a atuação de pedófilos – é fundamental pois agiliza as investigações.

 A nossa primeira linha de atitudes, quando do desaparecimento de crianças e adolescentes, é a ampla divulgação dos nossos cartazes [na internet]. E na grande maioria dos casos só essa divulgação nas redes sociais, nas redes do [Governo do] Estado, no próprio site da Polícia Civil, só essa divulgação e a velocidade da propagação dessa divulgação dos cartazes oficiais já é inclusive suficiente para que essa criança seja localizada”, observou. Sobre casos antigos, ela contou que a Sicride faz progressão de imagem de crianças que sumiram em 2012, 2015 ou anos anteriores, como Guilherme, e que não para de investigar, mas são casos que a unidade acaba recebendo menos informações para ajudar em suas buscas.

 A Amália Tortato, que perguntou se é “possível quantificar a chance de êxito relacionada a rapidez com que o caso é relatado às autoridades”, a convidada da Tribuna Livre respondeu que ser acionada nas primeiras 24 horas de um desaparecimentos são essenciais para que as autoridades policiais tenham êxito nas investigações. Afirmação que complementou a pergunta de Jornalista Márcio Barros (PSD) sobre qual órgão a população deverá acionar em caso de um desaparecimento: segundo a delegada, a família deverá acionar a autoridade policial mais próxima, ou até mesmo registrar o boletim de ocorrência na internet, para que o caso seja imediatamente comunicado à Sicride.

 Também participaram do debate os vereadores Denian Couto (Pode), Mauro Ignácio (DEM), Nori Seto (PP), Sargento Tânia Guerreiro e Sidnei Toaldo (Patriota).

 Tribuna Livre
A Tribuna Livre é um espaço democrático de debates mantido pela CMC, para ser canal de interlocução entre a sociedade e os parlamentares. Os temas discutidos na Tribuna Livre são sugeridos pelos vereadores, que por meio de um requerimento indicam uma pessoa ou entidade para discursar e dialogar no plenário. As falas neste espaço podem servir de prestação de contas de uma entidade que recebe recursos públicos, apresentação de uma campanha de conscientização, discussão sobre projeto de lei em trâmite na Casa etc.

 Conforme o Regimento Interno do Legislativo, as Tribuna Livres ocorrem nas quartas-feiras, durante a sessão plenária – geralmente, após a votação dos projetos de lei e demais proposições, a menos que ocorra a inversão da pauta. Se você participa de uma entidade, representa uma causa ou atividade coletiva, entre em contato com um dos vereadores para sugerir a realização da Tribuna Livre. O RI veda o uso desse espaço por representantes de partidos políticos; candidatos a cargos eletivos; e integrantes de chapas aprovadas em convenção partidária.

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