Tribuna Livre discute alternativas para o cartão-transporte em Curitiba

por José Lázaro Jr. | Revisão: Ricardo Marques — publicado 29/10/2025 12h00, última modificação 29/10/2025 15h42
Especialista da OAB-PR, advogado Gustavo Martins afirmou que o confisco dos créditos afeta direitos básicos dos usuários do transporte em Curitiba.
Tribuna Livre discute alternativas para o cartão-transporte em Curitiba

Advogado Gustavo Martins defendeu dilação da duração dos créditos do cartão-transporte em Curitiba. (Fotos: Rodrigo Fonseca/CMC)

“O direito não deve ser apenas legal [dentro da lei], ele deve ser justo”. Com essa afirmação, o advogado Gustavo Pereira Coelho Martins, representante da Comissão de Direito de Trânsito, Transporte e Mobilidade Urbana da seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/PR), abriu sua fala na Tribuna Livre da Câmara Municipal de Curitiba (CMC), nesta quarta-feira (29). Convidado pela vereadora Camilla Gonda (PSB), ele criticou a atual regra que faz expirar os créditos do cartão-transporte após um ano sem uso e defendeu que a Câmara encontre um caminho que una transparência, moralidade e justiça social (076.00035.2025).

Em sua saudação inicial, Camilla Gonda destacou que, apenas em 2024, 393 mil usuários perderam valores que somam R$ 22 milhões, transferidos ao Fundo de Urbanização de Curitiba (FUC). A parlamentar defende que esses valores pertencem aos trabalhadores e não podem ser apropriados pelo poder público. “A vigência de um ano prejudica os usuários e configura, no nosso entendimento, uma forma de confisco”, declarou a parlamentar, que é autora de um projeto de lei, sob análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que propõe acabar com esse prazo de validade (005.00143.2025 com 031.00215.2025).

“Não é justo, não é ético, não é moral”, diz advogado

Durante sua fala na Tribuna Livre da CMC, Gustavo Pereira Coelho Martins argumentou que o crédito do cartão-transporte é um direito de propriedade e não pode ser transformado em receita pública. “O transporte coletivo não é luxo, é ferramenta para o exercício de direitos básicos como saúde, educação e trabalho”, disse OAB-PR. “O governo se apropria de um crédito que é do cidadão, e esse crédito é dinheiro. Não é justo, não é legítimo, não é moral que o Estado use esses valores sob o pretexto de melhorar a infraestrutura urbana”, afirmou.

O advogado explicou que o risco da atividade econômica deve ser integralmente assumido pelo poder público e pelas concessionárias, e não repassado ao usuário. “A teoria do risco da atividade é clara: ele pertence ao prestador do serviço, e nunca ao cidadão. Portanto, não faz sentido que o consumidor arque com desequilíbrios contratuais que não lhe cabem”, afirmou.

Vereadoras pedem transparência e revisão do prazo

Respondendo à vereadora Laís Leão (PDT), que propôs um “meio-termo” com prazo ampliado e mais transparência, o especialista defendeu que dois anos seria o mínimo aceitável. “Um ano é um prazo exíguo e desproporcional. A razoabilidade precisa ser pensada do ponto de vista do usuário, não da administração pública”, declarou. Ele também pediu maior publicidade sobre as regras e sobre a tarifa técnica da URBS, afirmando que a falta de informações “cria uma caixa-preta e mina a confiança da população”.

“Hoje não há comprovação de que esses valores estão sendo aplicados de forma idônea ou eficiente. A ausência de transparência afeta a confiança na administração pública e na própria legitimidade do sistema”, afirmou Gustavo Martins. Em outro momento do debate, Camilla Gonda perguntou sobre a possibilidade de destinar os créditos expirados a outros serviços municipais, como abatimento de IPTU ou uso nos Armazéns da Família. O advogado considerou a ideia viável e alinhada à justiça social.

“Ainda que o projeto [proposto na CMC pela vereadora Camilla Gonda] não seja aprovado exatamente como está, é possível construir uma solução intermediária que contemple o interesse público e o dos usuários. Esses recursos poderiam ser usados para inclusão de pessoas com deficiência, autismo ou em vulnerabilidade”, opinou o especialista. Para Gustavo Martins, “a forma como a norma está hoje agrava a desigualdade e penaliza justamente os mais vulneráveis. O transporte deve ser um direito de acesso, não um instrumento de exclusão.”

A vereadora Vanda de Assis (PT) apoiou a iniciativa e reforçou a importância do projeto. “Não faz sentido uma lei permitir que o Município retire, em determinado prazo, um valor que pertence ao usuário. Sou a favor do projeto da Camilla Gonda e contra a dilação de prazos — o crédito deve ser de quem pagou por ele”, disse. Encerrando o debate, Gustavo Martins afirmou que a legislação atual “não atende ao interesse público, mas sim a interesses específicos”. Segundo ele, cabe ao Legislativo municipal restaurar a confiança do cidadão no poder público.

Audiência pública abordou impactos e legalidade

Durante a Tribuna Livre, Camilla Gonda lembrou que o mesmo tema foi discutido em audiência pública realizada em 19 de setembro, que contou com a participação da Promotoria de Defesa do Consumidor, da OAB/PR e de representantes da sociedade civil. Na ocasião, foram apontados os impactos sociais e jurídicos da expiração dos créditos, considerados uma forma de “confisco indireto” dos valores pagos pelos usuários. O debate ressaltou ainda a falta de transparência na divulgação das regras e a necessidade de revisão da legislação municipal vigente.