Casa mal-assombrada ou fenômeno paranormal? Veja caso real de Curitiba
Apelidado "Uri Geller" do Capão da Imbuia, Luís Carlos Piantadosi conta sua versão, 50 anos depois, à Camara de Curitiba. (Arte: Diogo Fukushima/CMC)
O garoto Luís Carlos Piantadosi tinha 16 anos e era descrito como um jovem de rosto sereno, filho e irmão amoroso. Estudante do Colégio Estadual Maria Aguiar Teixeira, no bairro Capão da Imbuia, amava música popular e fotonovelas. Nascido em Antonina, no litoral do Paraná, era o segundo dos quatro filhos do casal Reni e Riccardo, já falecidos. Ela, também antoninense; ele, um italiano que vivia no Brasil havia mais de duas décadas.
A vida seguia simples na casa de madeira onde residia a família, próxima ao bosque onde funciona, hoje, o Museu de História Natural de Curitiba, até que um mistério rompeu a rotina da família Piantadosi, voltando a assustar os moradores do bairro Capão da Imbuia e a intrigar a imprensa de Curitiba.
Ao contrário de histórias que entram para o imaginário popular e se tornaram lendas urbanas, o caso também foi esquecido no tempo, mas não por aqueles que vivenciaram os fatos assustadores.
É essa história que a segunda temporada da série Curitiba Horror Stories — projeto do Nossa Memória, da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) — resgata no especial de Halloween 2025. Com base em reportagens da época e entrevistas com testemunhas do mistério real, a produção revisita mais um capítulo misterioso do passado curitibano.
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A casa mal-assombrada de Curitiba: o mistério das “pedras voadoras”
Em 2022, a primeira temporada do “Curitiba Horror Stories” resgatou a história de uma casa supostamente mal-assombrada, na esquina das ruas Professor Nivaldo Braga e Delegado Leopoldo Belczak, no Capão da Imbuia. Era janeiro de 1974 e a imprensa apelidou o mistério de “pedras voadoras”. O caso da família de Ildefonso Till mobilizou curiosos e até a polícia, mas nunca houve uma explicação definitiva.
Em julho de 1976, quando fatos intrigantes passaram a se desenrolar com a família Piantadosi, as atenções se voltaram, novamente, ao bairro Capão da Imbuia. Afinal, a casa de madeira ficava há menos de 500 metros de distância de onde moravam os Till - cuja residência, destruída pelos ataques das “pedras voadoras”, que ninguém soube explicar de onde vinham, já havia sido demolida.
“As coisas voam por todos os lados”
“Luís Carlos Piantadosi, de 16 anos de idade, que mora no Capão da Imbuia, dizia ter certos poderes e coisas estranhas andam acontecendo na residência de seus pais; pratos que voam, quadros caem, copos quebram etc. Luís afirma que sempre teve esses poderes; porém, após o programa de Uri Geller, as coisas que ele deseja estão se realizando. Familiares de Luís e os vizinhos confirmam os estranhos acontecimentos e estão bastante alarmados”, estampou o jornal “Diário da Tarde”, em 23 de julho de 1976. O jornal intitulou a chamada de capa de “O estranho caso ‘à Uri Geller’”, em referência ao israelense, naturalizado britânico, famoso na década de 1970 por entortar talheres e outras demonstrações. Para alguns, tratava-se de poderes paranormais. Para outros, ilusionismo.
A imprensa continuou a noticiar os acontecimentos da residência dos Piantadosi - muitas vezes, relembrando o episódio das “pedras voadoras” e de outros mistérios do Capão da Imbuia. “Coisas estranhas estão acontecendo nesta casa.” Este foi o título de matéria do jornal “Gazeta do Povo”, de 24 de julho de 1976, sobre o caso. “John Clayton, primo de Luís Carlos, está morando com a família desde o começo do ano. Ele morava em Antonina e tinha visto pela televisão, há três anos, o que na época era feito pelo primo. Não acreditou em nada. Veio para cá e zombava do primo: depois do programa de Uri Geller, porém, coisas estranhas começaram a acontecer com ele”, contou a reportagem.
Conforme a entrevista de John Clayton, caso ironizasse o primo, ele sofria as consequências. “À noite, minha cama pulava, jogando-me para todos os lados. Anteontem, um quadro voou da parede e acertou minha cabeça. Para piorar tudo, fui jogado do sofá da sala contra a parede, passando por cima da mesa”, disse o adolescente de 16 anos, a mesma idade de Luís Carlos. O jornal “Diário do Paraná” foi o responsável pelo maior número de matérias sobre o caso. “As coisas voam por todos os lados. É incrível. Não há truque, nem ficção científica. É um outro fenômeno. Parapsicólogos e médicos já estudam as potencialidades do menino Luís Carlos Piantadosi”, relatou a primeira delas, publicada no dia 24 de julho de 1976.
Conforme a reportagem, “diariamente, objetos saem voando pela casa, móveis deslocam-se, pratos espatifam-se de encontro a portas e paredes. Camas balançam e levitam durante a noite, garrafas explodem, ovos saem da geladeira indo partir-se no assoalho da sala de jantar, [...] cercas desabam e o teto parece vir abaixo”.
“Ao providenciar o almoço, a mãe, Reni, comumente vê as panelas irem de encontro ao teto, vidros de sal estourarem, isso sem contar as roupas de cama que saem do quarto, indo parar na sala, em cima de cadeiras e poltronas. Nas horas de refeições, a mesa trepida, os copos saem da mesa indo parar na calçada da residência”, prosseguiu o jornal.
Na edição do dia 27 de julho, o “Diário do Paraná” chamou Luís Carlos de “milagreiro do Capão da Imbuia” e citou que a casa da família apresentava “além dos vidros despedaçados, outras maiores consequências”. “Na tarde de ontem não permaneceu nada em seu devido lugar. A residência se apresenta quase que despida, tendo em vista o contínuo e interminável quebrar de louças, copos, cinzeiros e adornos.”
Eletrodomésticos ganham vida própria, dizem jornais
O jornal publicou novas reportagens, entre os dias 28 de julho e 9 de agosto de 1976, relatando diferentes fenômenos. “Os murros na mesa também se fazem sentir, bem como o apedrejamento das paredes. Os alimentos contidos no interior da geladeira também saem sem que ninguém esteja sequer pensando em abri-la, os ovos atravessam três paredes até chegar à sala onde geralmente se espatifam no chão. O monte de vidros quebrados, localizado ao lado da cerca, às vezes diminui, vindo novamente para o interior da casa”, informou.
“Uma máquina de lavar roupa funcionou durante um dia inteiro sem estar ligada à tomada, as roupas que se encontravam em seu interior saíram num voo misterioso, arremessadas para fora do aposento”, publicou o jornal local, em outra edição. Além disso, o “Diário do Paraná” noticiou que Luís Carlos acreditava que sua mente estava sendo educada, por ter sentido previamente o deslocamento de objetos. “Nestes últimos dias, ele declara haver visto mentalmente os objetos deslocarem-se dos lugares de onde estavam, um espelho e um vaso, os quais caíram em pedaços no piso do banheiro da moradia”, explicou.
As reportagens foram interrompidas, até que, meses depois, o nome de Luís Carlos retornou às páginas do “Diário do Paraná”. “‘Uri Geller’ do Capão da Imbuia ataca novamente”, escreveu o jornal, na edição no dia 7 de maio de 1977. “Enquanto uma menina de 12 anos de idade, chamada Delair, andava pelo corredor da casa onde mora, no Capão da Imbuia, na tarde de ontem, uma gaveta se abriu na cozinha, sem que ninguém tocasse, e dali saiu um batedor de carne que veio chocar-se em sua cabeça, provocando sérios ferimentos”, descreveu a publicação, atribuindo o caso aos “poderes considerados paranormais, segundo vários parapsicólogos, do garoto Luís Carlos”, que à época já havia completado 17 anos.
A mãe do adolescente afirmou à reportagem que os fatos estranhos aconteciam geralmente uma vez por semana, mas que haviam se intensificado, fazendo, inclusive, com que a família fosse atingida pelos objetos voadores. Reni também teria relatado algo inédito: “O principal deles, segundo a mãe do garoto, foi um liquidificador entrar em repentino funcionamento, batendo demoradamente duas gemas de ovo que saíram voando da geladeira”. De acordo com ela, o eletrodoméstico “estava com fio totalmente enrolado no aparelho”.
Para Percival Charquetti, fenômeno era de psicosinesia espontânea
Desde os 13 anos de idade, quando a família ainda morava em outra casa do bairro Capão da Imbuia, Luís Carlos era acompanhado pelo médico, parapsicólogo e jornalista Percival Charquetti - o primeiro paranaense a ganhar o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1956. “Como médico e parapsicólogo, [Charquetti] decidiu submeter o menino Luís Carlos a uma série de exames - inclusive psiquiátricos - e tornou-se amigo da família, que passou a visitar periodicamente”, escreveu o jornalista Aramis Millarch.
A matéria, publicada no jornal “O Estado do Paraná”, na edição de 28 de julho de 1976, explicou que os fenômenos “desapareceram tão misteriosamente como surgiram, e nos últimos três anos Luís Carlos Piantadosi frequentou o Colégio Maria Aguiar Teixeira, embora se mantivesse reservado e um pouco solitário”. Millarch reforçou a versão de outros jornais de que “a estranha força mental” de Luís Carlos retornou após ele assistir à apresentação de Uri Geller pela televisão, provocando a levitação e a quebra de objetos.
“Para Percival Charquett, o fenômeno, embora raro, não é único: já se conhecem casos semelhantes na Alemanha e mesmo no Brasil, mas para que possa haver uma explicação lógica haveria necessidade de utilizar um detector de campo biológico, unidade desenvolvida pelo cientista Sergeyeff, há quatro anos, em Moscou”, relatou.
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A reportagem, assim como em outros jornais da época, informou que Percival Charquetti apresentaria o caso do garoto Luís Carlos Piantadosi no 1º Congresso Internacional de Parapsicologia e Medicina. O paranormal Uri Geller, inclusive, estava no Brasil para participar do evento, realizado na cidade de São Paulo (SP), entre os dias 30 de julho e 1º de agosto de 1976.
Para Charquetti, tratava-se do fenômeno de psicosinesia recorrente espontânea (RSPK, sigla para recurrent spontaneous psychokinesis, do inglês), que antigamente era conhecido como poltergeist (espírito brincalhão). “Isto, explica, o médico [Charquetti], acontece em uma entre mil pessoas. Resulta de uma força psíquica muito grande e que age sem que a própria pessoa perceba”, declarou Charquetti ao jornal “Diário do Paraná”, em maio de 1977.
“Por isso que, de repente, um cinzeiro sai da mesa e vai se chocar contra a porta do banheiro onde há alguém da família. Este fato aconteceu ontem com o avô de Luiz Carlos, Lauro Maciel, o mais preocupado com a ocorrência destes fenômenos, já que possui problemas cardíacos”, relatou, também, o jornal. “Outros casos semelhantes foram estudados na Alemanha, em 1972, e têm ocorrido em vários outros locais, como o caso famoso de Eleonore Zugun - a menina endemoniada - em 1920, na Inglaterra.”
Fenômeno levantou diferentes opiniões
Assim como a história da casa supostamente mal-assombrada pelas “pedras voadoras”, o caso de Luís Carlos Piantadosi levantou diferentes versões. “Qual a definição para o fenômeno?”, questionou o “Diário do Paraná”, na edição de 28 de julho de 1976. “Representantes de diversas seitas vão até lá fazer orações. As pessoas que lá chegam diferem em crenças e credos”, relatou o jornal sobre a opinião dos curiosos.
“Os espíritas creem que o menino, Luís Carlos, está possuído por um espírito brincalhão que se diverte provocando as situações mais embaraçosas imaginadas. Os que acreditam em ‘assombração’ fogem apavorados ao primeiro estrondo ou trincar de vidros que se faz presente, a cada minuto, na estranha moradia”, mencionou a reportagem. Havia, também, aqueles que acreditavam que o adolescente seria “um predestinado, aguardando o dia que ele sairia por aí realizando milagres, curando enfermos e dando conforto à humanidade” ou, ainda, “para os que leem a Bíblia, dizem ser mais um dos falsos profetas”.
“As senhoras com seus terços ficavam orando a São Benedito [santo católico que dá nome à paróquia do bairro Capão da Imbuia] para que o fenômeno cessasse”, citou outra edição do mesmo jornal. A imprensa também lembrou de uma tese levantada durante o fenômeno das “pedras voadoras”, quando “um senhor grisalho, afirmando ser espírita, disse que a repetição desses fenômenos no bairro é uma prova de que ali existe dinheiro enterrado”.
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O professor Geraldo Dallegrave, presidente do Instituto Paranaense de Parapsicologia, também deu parecer ao jornal “Diário do Paraná”, após o evento. "A única chance de recuperação para o jovem está na realização de uma regressão de idade, para que se situe a traumatização sofrida que acarreta a realização dos fenômenos que ele inconscientemente provoca", opinou o especialista ao “Diário do Paraná”.
No entanto, conforme a publicação, o garoto não desejava se submeter à regressão e também havia recusado o convite de Dallegrave para participar do congresso em São Paulo, pois "estava prevendo que o professor queria tratá-lo em benefício próprio". Da mesma maneira, Luís Carlos disse ter recusado a proposta de um especialista inglês para morar nos castelos medievais daquele país, para, com seus poderes, assustar turistas. “Estas coisas eu não quero, quero ser cantor", garantiu à reportagem do “Diário do Paraná”.
🎙️ E qual foi, afinal, o destino do “Uri Geller curitibano”?
Depois de quase 50 anos, ele aceitou — com exclusividade — relembrar o caso que abalou sua família e movimentou o bairro do Capão da Imbuia. Luís Carlos Piantadosi é um dos entrevistados do segundo episódio do podcast Nossa Memória, publicado nesta sexta-feira (31), no YouTube da Câmara de Curitiba. Não perca!
Reprodução do texto autorizada mediante citação da Câmara Municipal de Curitiba