Especialistas alertam para o aumento de acidentes de trânsito em Curitiba

por Pedritta Marihá Garcia | Revisão: Ricardo Marques — publicado 09/05/2024 11h30, última modificação 09/05/2024 13h35
Alusiva ao Maio Amarelo, audiência pública na Câmara de Curitiba foi de iniciativa foi da Comissão de Direitos Humanos.
Especialistas alertam para o aumento de acidentes de trânsito em Curitiba

A audiência pública foi solicitada por Ricardo Romanel, que sofreu um grave acidente de trânsito em 2022. (Foto: Bruno Slompo/CMC)

Diversos agentes envolvidos na engenharia, na fiscalização e na educação no trânsito se reuniram nesta quarta-feira (8), na Câmara Municipal de Curitiba (CMC), para discutir meios de reduzir o número de acidentes na capital. Com o tema "Maio Amarelo: conscientização para a redução de acidentes de trânsito", o debate durou cerca de duas horas e meia e foi transmitido pelas redes sociais do Legislativo. Em comum, os especialistas defenderam que a educação no trânsito e o respeito às leis são o caminho a segurança de todos

Na audiência pública, a CMC ouviu especialistas, autoridades e cidadãos, a fim de fortalecer o compromisso coletivo de tornar o trânsito de Curitiba mais seguro e mais humano. Um dos agentes que atuam diretamente no tema, o major Anderson Anderle, do Siate (Serviço Integrado de Atendimento ao Trauma em Emergência) do Corpo de Bombeiros, fez um alerta sobre o aumento do número de vítimas de trânsito atendidas pela corporação. Somente entre janeiro e começo de maio, 18.365 pessoas foram encaminhadas para os hospitais do Paraná, vítimas de 15.755 ocorrências de trânsito registradas. Em todo o estado, são 26.509 leitos.

O aumento foi de 10% se comparado ao mesmo período de 2023, quando 16.718 foram socorridas pelo Siate. Mas este dado, observou o bombeiro militar, é subnotificado, pois não entram nestas estatísticas as vítimas de trânsito atendidas pelo Samu, ambulâncias particulares e por meios próprios. “Esses não são os números reais que chegam aos hospitais”, completou. 

Se apertar um pouco mais, daria quase uma vítima por leito. Temos aqui os representantes dos hospitais, que muitas vezes são ‘apedrejados’ lá porque a ambulância fica uma hora parada para entregar a vítima. […] Infelizmente, a irresponsabilidade no trânsito está gerando um número de vítimas que o Corpo de Bombeiros não está dando conta de atender, e os hospitais não dão conta de receber. Esta é a grande verdade.” O major informou, ainda, que só em Curitiba, São José dos Pinhais e Colombo, o Siate atendeu 5.467 ocorrências em 2024, cujas vítimas são encaminhadas para hospitais de referência da capital. 

Rosângela Batistella, superintendente de Trânsito da Secretaria Municipal de Defesa Social e Trânsito, complementou as estatísticas do Corpo de Bombeiros, ressaltando que, apesar da redução do número de vítimas fatais, os acidentes aumentaram nos últimos anos em Curitiba. Em 2020, foram 20.699; 2021, 23.512 ocorrências; 2022, 27.703 acidentes; e 2023, 29.573 registros. Em 2024, até o começo de maio, já são 10.031 acidentes registrados. Já o número de vítimas fatais, que em 2011 foi de 310, caiu para 166 em 2022 – uma redução de 46,5% no período. O custo de uma vida (uma vítima fatal) é de R$ 2,95 milhões para o contribuinte”, alertou. 

Ainda segundo a gestora, os pedestres são os mais vulneráveis no trânsito. Em Curitiba, 75% das vítimas fatais de 2022 estavam em motocicletas, bicicletas ou andando a pé pela cidade. “Não há hoje uma legislação de trânsito, uma resolução, que nos diga como autuar [um ciclista ou pedestre que comete a infração]. A bike não tem placa, o pedestre, de que forma você autuaria? Pela carteira de identidade? Uma multa administrativa? Olha o tanto de ciclista que circula nas canaletas do transporte coletivo, olha o tanto de pedestres que circulam nas canaletas. Isto é proibido. Está lá a placa dizendo que é proibido. E olha o tanto de atropelamentos que temos dentro das canaletas. É o maior número de atropelamentos.”

Se a conscientização entre os pedestres e ciclistas não acontecer, ressaltou
Rosângela Batistella, o número de atropelamentos vai aumentar devido ao aumento das linhas Ligeirão pela cidade e a entrada dos ônibus elétricos, que são silenciosos. “Esses ônibus não vão fazer barulho e vão ultrapassar [outros ônibus]. Imagine, se hoje já temos atropelamentos, imagine no futuro, se não tomarmos medidas”, analisou. “A educação no trânsito é importante, e é preciso desenvolver esta consciência na criança, no jovem, no adolescente. É uma obrigação nossa, como pais, de ensinar crianças e jovens o caminho em relação à educação no trânsito”, complementou o secretário municipal de Defesa Social e Trânsito, coronel Péricles de Matos.

Fernando César Oliveira, superintendente da Polícia Rodoviária Federal (PRF), disse que a corporação se preocupa constantemente com a redução dos acidentes, sobretudo das vítimas fatais. Ele contou que a média de mortes no trânsito nas rodovias federais do Paraná é de 550 óbitos por ano. “Não é um dado para ser normalizado.” E explicou, ainda, que os atropelamentos nos contornos Sul e Norte de Curitiba são comuns porque não há passarelas para que a população possa atravessar as rodovias, de um lado para o outro. 

Vítima de acidente de trânsito pediu a realização da audiência pública

Promovida pela Comissão de Direitos Humanos, Defesa da Cidadania, Segurança Pública e Minorias, a audiência pública foi solicitada por uma vítima de um grave acidente há dois anos (421.00001.2024). Ricardo Romanel, que é estudante de Direito, contou como a sua vida mudou após ser atingido na contramão, por um veículo conduzido por um motorista alcoolizado. Ele teve sua perna amputada, devido à gravidade do acidente. 

O debate teve a intenção de promover a reflexão sobre acidentes. Para ele, que teve sua vida transformada por causa do acidente, o principal ponto da conscientização é a educação. Romanel sugeriu que nas autoescolas sejam exibidos vídeos com pessoas acidentadas, imagens de impacto; e ainda que o uso de álcool associado ao volante deveria ser considerado um crime severo. “Na esfera cível não existe punição ao causador [do acidente].” 

Ao repetir sua história para os participantes da audiência pública, ele defendeu a intensificação das ações educativas e de fiscalização, para a promoção de comportamentos mais seguros entre os condutores, pedestres e ciclistas. “Existe a lei, existe o cumprimento dela, mas não existe a punição. Eu sou prova disto, porque o meu processo foi para a área cível e, me desculpem o termo, é uma palhaçada. O causador do acidente continua tendo sua vida ampla e até mesmo riu no dia da audiência”, disse o convidado, que é estudante de Direito. 

Integrante do colegiado de Direitos Humanos, Sargento Tânia Guerreiro (Pode) informou que o Brasil ocupa o 4º lugar do mundo em acidentes de trânsito, ficando atrás somente da Índia, Nigéria e China. Este dado reflete, na sua avaliação, a imprudência e uma legislação falha. “O que mais causa acidentes de trânsito é o uso de álcool, que deveria ser um crime com pena máxima. E não um crime culposo. Culposo como, se ele [o motorista embriagado que causa o acidente] assumiu o risco de cometer o acidente e ceifar uma vida?”, analisou, ao concordar com a sugestão de Ricardo Romanel. 

Para Jornalista Márcio Barros (PSD), presidente da Comissão de Direitos Humanos, quem pensa no tema e não está envolvido diretamente com ele, acha que quando se trata dos acidentes, só existem as vítimas. Mas quando se trata do trânsito, é muito mais complexo do que se imagina. “Não se pensa na mobilidade urbana, no número de vagas de UTI dos hospitais, no pós-acidente, na recuperação da vítima. A Câmara de Curitiba tem um papel formador de opinião, de esclarecimento. E a proposta deste debate é exatamente isto, discutir [o tema] coma as pessoas que têm conhecimento de causa para trazer as informações, para que possamos levar adiante”, completou. 

Jornalista com experiência em cobertura policial, e pós-graduado em Gestão de Segurança Pública, o vereador lembrou que o trânsito é um sistema cheio de particularidades. “Quando a gente fala de trânsito, não é só a rua que a gente mora. A gente tem a mania de simplificar as coisas. A gente tem que pensar na mobilidade urbana. Trânsito envolve transporte público, motoristas de aplicativos, motoristas particulares, motociclistas (que aumentaram significativamente), bicicletas, patinetes, e uma infinidade de atores envolvidos.

Outros agentes envolvidos no tema também contribuíram com suas observações, a exemplo de Claudinei Tomás, do Sindicato dos Centros de Formação de Condutores (Sindicato CFC), para quem a educação para o trânsito deve começar dentro de casa, onde os pais devem orientar os filhos. Atualmente, reforçou ele, são apenas os Centros de Formação de Condutores que apoiam o sistema de trânsito, quando se trata da educação no trânsito. Tiago Hessel Tormen, diretor-geral do Hospital Evangélico, endossou a preocupação com o aumento do número de acidentes, que pressiona constantemente o sistema de saúde, onde hoje faltam leitos. 

Também participaram da audiência pública a vereadora Indiara Barbos (Novo); os representantes da Polícia Militar do Paraná, capitão Elieser Augusto Foltran, coronel Mario Henrique do Carmo, capitão Nicolas Goulart Kretschmer; a chefe da da Divisão de Hemoterapia do Hemepar, Renata Pavesi; Thiago Bobato, chefe da Emergência do Hospital Cajuru; e Altair Batista, subtenente do Corpo de Bombeiros. 

Veja abaixo outras imagens da audiência pública desta semana. 




Quando são realizadas as audiências e reuniões públicas da CMC?

A proposição de audiências e reuniões públicas, cursos e seminários pelos vereadores depende da aprovação de requerimento em plenário, em votação simbólica. O objetivo da reunião com os cidadãos, órgãos e entidades públicas e civis é instruir matérias legislativas ou tratar de assuntos de interesse público. Caso a atividade ocorra fora da Câmara Municipal de Curitiba (CMC), a liberação de servidores cabe à Comissão Executiva – formada pelo presidente, o primeiro-secretário e o segundo-secretário da Casa. No caso das comissões temporárias ou permanentes, a realização de audiências públicas, cursos ou seminários é deliberada pelo colegiado e despachada pelo presidente do Legislativo. 

A exceção são as audiências públicas para a discussão das Diretrizes Orçamentárias (LDO), do Orçamento Anual (LOA) e do Plano Plurianual, conduzidas pela Comissão de Economia, Finanças e Fiscalização. Por se tratarem de etapas legais para a tramitação dos projetos, sua realização não precisa passar pelo crivo dos membros do colegiado. Também cabe ao colegiado de Economia convocar as audiências quadrimestrais de prestação de contas da Prefeitura de Curitiba e da Câmara Municipal. À Comissão de Saúde, Bem-Estar Social e Esporte compete a condução das audiências quadrimestrais para balanço do Sistema Único de Saúde (SUS) da capital. Ambas têm respaldo legal e independem de aprovação dos membros dos colegiados. 

Clique aqui para saber mais sobre as audiências públicas já realizadas pela CMC em 2024.