Em 1º turno, Câmara aprova reestruturação da Previdência de Curitiba

por José Lázaro Jr. | Revisão: Ricardo Marques — publicado 23/06/2025 16h50, última modificação 24/06/2025 08h48
Vereadores sinalizaram apoio à “segregação de massas” da Previdência de Curitiba. Modelagem depende de aval do Governo Federal.
Em 1º turno, Câmara aprova reestruturação da Previdência de Curitiba

Líder do governo, Serginho do Posto mobilizou o apoio ao projeto de lei da Prefeitura de Curitiba. (Fotos: Rodrigo Fonseca/CMC)

Protocolado às 8h39 desta segunda-feira (23), o substitutivo geral que implanta na Previdência de Curitiba a segregação de massas foi aprovado, em primeiro turno, pelos vereadores da capital, por 27 a 7 votos, com 1 abstenção. O debate durou 3h30, com transmissão ao vivo pelo canal da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) no YouTube.

A discussão dividiu o plenário em dois grupos, com a maioria se posicionando favorável ao novo arranjo do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que promete sanar o déficit atuarial de R$ 18 bilhões do Município de Curitiba. Vereadores da oposição e independentes criticaram o protocolo “surpresa” da reestruturação do Instituto de Previdência dos Servidores do Município de Curitiba (IPMC).

Projeto que seria votado não previa segregação de massas da Previdência

O substitutivo geral (031.00145.2025) com a segregação de massas foi apensado a um projeto de lei complementar do Executivo, que tramitou pelas comissões da CMC e ia ser votado, em primeiro turno, nesta segunda-feira. Originalmente, ele modificava apenas cinco dispositivos da lei complementar 133/2021, que regulamenta o RPPS de Curitiba, impactando aposentadorias especiais, cálculo de proventos e critérios para concessão de pensões por morte (002.00012.2025).

Essas mudanças foram mantidas no substitutivo geral, que prevê a possibilidade de considerar tempo de contribuição averbado pelo servidor falecido para fins de pensão por morte, e a correção no cálculo de pensões em favor de dependentes inválidos ou com deficiência. O projeto ainda permite que servidores com deficiência que tenham atuado em condições insalubres optem pelo fator de cálculo mais vantajoso.

Também estende a possibilidade de conversão de tempo especial em comum, para servidores que trabalharam em condições insalubres, até a data de 12 de novembro de 2019. Hoje, essa conversão só é permitida para períodos anteriores a 5 de março de 1997. Além disso, detalha que a exclusão de contribuições que reduzam o valor da aposentadoria (até 20% da média) não poderá ser aplicada nos casos de aposentadoria compulsória ou por incapacidade permanente.

A proposta alinha a legislação municipal às diretrizes da Emenda Constitucional 103/2019 e ao entendimento do Supremo Tribunal Federal no Tema 942 da Repercussão Geral. Com a aprovação do substitutivo, foram prejudicadas seis emendas ao texto original (032.00012.2025, 032.00013.2025, 032.00014.2025, 032.00015.2025, 032.00029.2025 e 033.00026.2025).

Entenda como vai funcionar a segregação de massas da Previdência de Curitiba

A Prefeitura de Curitiba propôs a criação de dois fundos separados dentro do Regime Próprio de Previdência Social dos servidores municipais, em uma medida chamada de segregação de massas. Com a divisão, a Prefeitura de Curitiba afirma buscar o equilíbrio financeiro da Previdência e a sustentabilidade do sistema a longo prazo, sem aumentar as alíquotas de contribuição dos servidores.

Com a mudança, o RPPS será dividido em dois grupos distintos: o Fundo Previdenciário de Curitiba (FP-CURITIBA) e o Fundo Financeiro de Curitiba (FF-CURITIBA). Cada um terá regras próprias de arrecadação, gestão e pagamento de aposentadorias e pensões. A segregação de massas é um procedimento autorizado pela legislação federal e já utilizado por outros estados e municípios.

O FP-CURITIBA reunirá os servidores que entraram na Prefeitura a partir de 31 de dezembro de 2007, os aposentados até 31 de outubro de 2024 que nasceram até 31 de dezembro de 1954, e os pensionistas de falecidos que faziam parte desse grupo. Ele funcionará no regime de capitalização, ou seja, o dinheiro arrecadado com contribuições forma um patrimônio próprio, que é investido e usado para pagar os benefícios desse grupo no futuro. O FP-CURITIBA terá caráter permanente e autossustentável.

Já o FF-CURITIBA será formado pelos servidores que ingressaram antes de 31 de dezembro de 2007, os aposentados que nasceram após 1º de janeiro de 1955, e os pensionistas ligados a esse grupo. Nesse caso, o sistema funciona no regime de repartição simples, onde as contribuições atuais são usadas para pagar os benefícios dos aposentados e pensionistas. Se faltar dinheiro, a Prefeitura é obrigada a complementar o valor necessário, mês a mês.

O Executivo defende que a separação dos grupos tem o objetivo de reduzir o impacto financeiro da Previdência sobre o orçamento do Município ao longo do tempo. Enquanto o FP-CURITIBA garante o pagamento dos benefícios de forma planejada e sustentável, o FF-CURITIBA será extinto gradualmente, quando todos os seus aposentados e pensionistas deixarem de ter direito aos benefícios, o que deve levar cerca de 60 anos.

Item

Fundo em Capitalização (FP)

Fundo em Repartição (FF)

Saldo dos Investimentos

R$ 2,2 bilhões

R$ 0,00

Saldo de Parcelamentos em vigor

R$ 0,00

R$ 543,1 milhões

Déficit Atuarial Inicial

Equilíbrio previsto

R$ 18,4 bilhões

Servidores Ativos Vinculados

15.512 (admitidos após 31/12/2007)

12.975 (admitidos antes dessa data)

Aposentados Vinculados

6.721 (nascidos até 31/12/1954)

10.702 (nascidos após essa data)

Pensionistas Vinculados

0 inicialmente

3.031

Percentual do Total de Segurados

45,43%

54,57%

Segregação de massas não prejudica servidores, diz líder do governo

Durante as três horas e meia de debate do substitutivo geral, o líder do governo Serginho do Povo (PSD) defendeu que os servidores públicos não têm motivo para se preocupar com a segregação de massas. “O projeto não onera os servidores ativos, aposentados e pensionistas. Não estamos alterando as regras de contribuição. Eu gostaria que a oposição indicasse um único artigo que prejudique os servidores! Não estamos contra [os servidores]”, afirmou.

Vice-líderes, Jasson Goulart (Republicanos) e Rafaela Lupion (PSD) deram apoio aos argumentos trazidos por Serginho do Posto, defendendo que a segregação das massas trará sustentabilidade à Previdência de Curitiba. “Temos sete capitais que já utilizam esse sistema de segregação de massas, em processos iniciados em prefeituras de diversos partidos”, destacou Goulart.

Sobre as críticas de falta de tempo para discussão, Rafaela Lupion lembrou que o projeto foi discutido no Conselho de Administração do IPMC, onde há representação dos sindicatos, antes de ser enviado à Câmara. “O estudo do cálculo atuarial são cerca de 10 páginas e não 190 páginas [como disse a oposição]”, disse a vereadora. A oposição fez diversas críticas a terem 20 minutos para lerem 200 páginas durante a discussão.

“A Prefeitura de Curitiba paga a Previdência em dia, diferente do que foi feito na gestão passada do PDT e do PT”, rebateu Indiara Barbosa (Novo), para quem cobrar promessas de campanha agora, como a revisão da contribuição de 14% dos aposentados e pensionistas, sem antes ter “uma gestão mais eficiente” é contraproducente, porque “o dinheiro tem que sair de algum lugar”. “A esquerda sempre vai ser do contra”, acusou.

Analisando os documentos, Rodrigo Marcial (Novo) chegou ao valor de uma economia de R$ 400 mil por dia com a segregação de massas. “São 400 mil por dia por um ajuste administrativo que não afeta negativamente servidor algum”, defendeu. Sobre a votação, o presidente da CMC, Tico Kuzma (PSD) , se preocupou em afirmar que “foram cumpridos todos os requisitos regimentais” para a votação. O Regimento Interno autoriza o protocolo de substitutivos gerais até o início da sessão na qual os projetos serão votados.

“A segregação já é muito utilizada e é um caminho seguro para a estabilidade atuarial sem colocar em risco os benefícios”, concordou Leonidas Dias (Pode), que integrou o bloco de apoio à proposta, que teve também Pier Petruzziello (PP), Sidnei Toaldo (PRD) e Renan Ceschin (Pode). Todas as falas foram registradas na transmissão ao vivo da sessão pelo YouTube.

Para oposição, houve “tratoraço” com substitutivo da segregação de massas

Depois de terem negado um pedido para que a votação de hoje fosse adiada por um dia, para que os vereadores de oposição analisassem o substitutivo geral, protocolado pouco antes do início da sessão, esses parlamentares passaram a descrever o ocorrido na Câmara como “tratoraço”. A primeira a usar o termo foi a líder da oposição, Giorgia Prates - Mandata Preta (PT), que descreveu a situação como “autoritarismo” e “circo de horrores”.

“Chegar projeto em regime de urgência toda a semana já é absurdo, mas hoje não tivemos nem tempo para ler os documentos anexados”, disse Giorgia Prates. Ela qualificou o protocolo do substitutivo como “atropelamento das regras mais básicas da democracia”, por “tirar qualquer possibilidade de transparência”. “O que vocês chamam de déficit atuarial são os servidores pagando [uma] conta que é do Município”, acusou, referindo-se à cobrança de 14% sobre os benefícios de aposentados e pensionistas.

“A gente sobe aqui toda semana reclamando de regime de urgência, que já é ruim, por serem só três dias, agora imagina ter 20 minutos [para ler o substitutivo da segregação de massas]. Se for pro Legislativo não servir para nada, por que estamos aqui? Eu acordo todo dia para trabalhar na Câmara Municipal, não para trabalhar em um cartório da Prefeitura”, concordou Laís Leão (PDT), qualificando a situação como “democracia fajuta”. Durante a manhã, ela questionou quais provas a Prefeitura de Curitiba tem que a capitalização do FP-CURITIBA será suficiente para equilibrar esse fundo, considerando que haverá progressão dos servidores.

Na mesma linha, Camilla Gonda (PSB) anunciou que buscará medidas judiciais para impedir a votação completa da matéria, afirmando que houve desrespeito ao rito democrático, uma vez que “estamos aqui para votar com responsabilidade”. Ela também criticou diretamente Renan Ceschin, que antes havia dito que “aqueles que comem com garfo conseguiram entender a sua explicação [do substitutivo geral pelo líder do governo Serginho do Posto]; [para] aqueles que comem com as mãos, ficou um pouco difícil, realmente”.

“Me causa muito espanto, mas não surpresa, que um vereador ache razoável dividir com esta Casa que quem vota com os servidores públicos são pessoas que comem com as mãos, enquanto os que comem com o garfo entenderam a proposta. A fala do vereador não é só ofensiva, ela é elitista, preconceituosa e carrega a arrogância de quem acha que inteligência se mede por etiqueta de jantar. Eu prefiro estar ao lado do povo que come com as mãos do que [ao lado] de quem acha que política se resolve com banquetes e dentro dos seus próprios gabinetes”, rebateu Gonda.

No bloco de críticas à votação do substitutivo geral, Professora Angela (PSOL) disse que “não temos nenhuma confiança no governo Pimentel, que há semanas tem mandado para cá um tratoraço”. “Não dá para achar normal votar desse jeito. Como votar sem falar com os servidores, que serão os maiores prejudicados?”, perguntou a parlamentar. Angelo Vanhoni (PT) e Vanda de Assis (PT) seguiram na mesma linha, destacando que, durante a campanha, Eduardo Pimentel teria prometido rever a cobrança de 14% dos aposentados e pensionistas, mas não sinalizou isso nesta oportunidade.

“Eu desconfio de todo esse projeto, porque se fosse bom [para os servidores], [a Prefeitura] daria tempo de conversar”, apontou Vanda de Assis, afirmando que esse tipo de condução do debate gera incerteza nos aposentados e pensionistas, com repercussão negativa no seu bem-estar.  “A saúde mental tem a ver com a estabilidade, quando [a Prefeitura] coloca [o servidor] em insegurança, [ela] provoca adoecimento mental”, acusou a vereadora. “Não é ilegal, mas soa imoral”, avaliou Da Costa (União), que se absteve na hora da votação, dizendo que a votação do substitutivo, sem tempo para reflexão sobre a proposta, fazia da Câmara “motivo para chacota”. Marcos Vieira (PDT) seguiu a opinião dos colegas, que o assunto é “complexo e importante” para ser avaliado no mesmo dia do protocolo.

A segregação de massas da Previdência retorna ao plenário da CMC, nesta terça-feira (24), para votação em segundo turno. Se for confirmada, a nova modelagem poderá ser enviada pelo Executivo ao Governo Federal, para que os órgãos competentes autorizem, ou não, a mudança no IPMC.