Audiência na Câmara de Curitiba alerta para obstáculos à cidadania LGBTI+

por José Lázaro Jr. | Revisão: Brunno Abati* — publicado 17/05/2023 18h00, última modificação 18/05/2023 09h30
Movimentos sociais comemoraram a criação do Conselho Municipal da Diversidade Sexual, mas relataram dificuldade de acesso a políticas públicas.
Audiência na Câmara de Curitiba alerta para obstáculos à cidadania LGBTI+

Audiência pública é realizada anualmente para marcar o dia Dia Internacional de Combate à LGBTfobia. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)

Na semana do Dia Internacional de Combate à LGBTfobia, celebrado no dia 17 de maio, a Câmara Municipal de Curitiba (CMC) recebeu organizações da sociedade civil e órgãos públicos para debater melhorias em políticas públicas e combate ao preconceito contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transgêneras, transexuais e interesexuais. O evento foi na última segunda-feira (15), durou três horas, e foi transmitido ao vivo pelas redes sociais da CMC.

>>> Confira a cobertura fotográfica da audiência pública no álbum da CMC no Flickr.

A audiência pública foi promovida pela Comissão de Direitos Humanos, Defesa da Cidadania, Segurança Pública e Minorias, que tem Giorgia Prates - Mandata Preta (PT) na presidência e Jornalista Márcio Barros (PSD) na vice. Maria Leticia (PV) e Professora Josete (PT) acompanharam a atividade. “A CMC tem esta tradição, de realizar uma audiência pública anualmente, em alusão ao 17 de maio, para marcar o combate à LGBTfobia, desde o presidente anterior da Comissão de Direitos Humanos, Márcio Barros”, disse Giorgia Prates, na abertura das atividades, para, então, demarcar que este ano era uma audiência especial.

“É a primeira vez que uma mulher negra lésbica ocupa esse lugar, na presidência da Comissão de Direitos Humanos. Toda luta que a gente fez até aqui levou tempo, dedicação, persistência. Muitas pessoas sofreram para a gente conseguir minimamente ter direitos conquistados”, disse, visivelmente emocionada. O fato foi lembrado várias vezes durante a audiência, assim como os elogios à aprovação, neste ano, do Conselho Municipal da Diversidade Sexual (CMDS) pela CMC.

Com forte atuação da Prefeitura de Curitiba na aprovação do projeto de lei, aliando parlamentares da base e da oposição, a criação do CMDS recebeu 25 votos favoráveis e 7 contrários, em primeiro turno, no dia 13 de fevereiro, após um debate em plenário que durou cerca de três horas. O conselho será composto por dez membros, sendo metade indicada pelo Poder Executivo e a outra de representantes da sociedade civil organizada, com o objetivo de fiscalizar e de propor políticas públicas na área.

Participação do Executivo

“A criação do conselho era um clamor muito antigo”, reconheceu Fernando Roberto Ruthes, assessor de direitos humanos e diversidade sexual da Prefeitura de Curitiba. “Foi um processo muito democrático de construção, com os movimentos sociais”, lembrou, antecipando que o Executivo já tem “a escrita de um Plano Municipal de Políticas da Diversidade Sexual”. “A gente segurou ele um pouco na gaveta, porque o plano precisa do conselho pronto, pois é o conselho que vai monitorar e avaliar o plano municipal”, disse Ruthes.

O assessor de diversidade do Executivo participou da audiência pública acompanhado do secretário municipal de Defesa Social e Trânsito, Péricles de Matos, da chefe de gabinete da Secretaria Municipal de Saúde, Raquel Ferraro Cubas, e da servidora Luciana Kuzma, do distrito do Tatuquara, onde a Prefeitura de Curitiba vem realizando uma ação piloto para a população LGBTI+. Ruthes disse que o Executivo reeditou o decreto do nome social, retirando as aspas do seu uso, e que estão reestruturando os sistemas informacionais do Município para eles receberem os dados de identidade de gênero, de diversidade sexual e das questões raciais.

O coronel Péricles de Matos concordou que o enfrentamento da LGBTfobia é um ponto a ser enfrentado na gestão pública. “Precisamos mudar a formação profissional da comunidade de segurança pública”, reconheceu, dando como exemplo positivo o avanço, decorrente de um grupo de trabalho com o Ministério Público do Paraná, do ensino de direitos humanos para a Guarda Municipal. “A educação é que vai trazer a mudança. Hoje, temos protocolos específicos [para coibir a discriminação]. Precisamos continuar investindo na modificação, na implantação de novos valores”, disse o gestor público.

Chefe de gabinete da SMS, Raquel Ferraro Cubas fez um histórico do atendimento das demandas LGBTI+ na saúde pública de Curitiba, dando destaque ao combate à AIDS e à capacitação dos servidores da pasta. O atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS) foi o ponto mais citado pela sociedade civil na audiência pública, que cobrou a criação de protocolos específicos para a população LGBTI+. Angela Martins, militante da Candaces (Rede Nacional de Lésbicas e Bissexuais Feministas Negras Autônomas), foi uma das vozes que disse que o atendimento inadequado no SUS tem afastado pessoas dos serviços públicos de saúde.

Vozes da sociedade civil

Primeira a falar na audiência pública, Angela Martins, da Candaces, enumerou as principais reivindicações que pautaram as falas da sociedade civil na audiência pública. Além do protocolo para atendimento da população LGBTI+ que usa o SUS, ela exigiu a criação de outro protocolo para o atendimento dos crimes lgbtfóbicos, a criação de políticas públicas para os jovens trans em ambiente escolar e a ampliação do escopo do hotel social da Prefeitura de Curitiba, que hoje atende a população trans.

A professora de Psicologia da Universidade Positivo e integrante da Liga Brasileira de Lésbicas, Grazielle Tagliamento, acrescentou que é preciso ter protocolos próprios também na assistência social e na saúde mental. “Se um jovem trans chega em um CAPs, com histórico de várias tentativas de suicídio, faz o quê? Não tem esse recorte de olhar sobre toda a violência que ele sofre no dia a dia, na escola, em casa, na rua. Trata-se de entender a decorrência da violência sofrida, não de ser quem são”, alertou. Para Tagliamento, enquanto isso não for resolvido, não está sendo cumprido o princípio da universalidade do serviço público.

Do Grupo Dignidade, Lucas Siqueira adiantou que a marcha da diversidade será no dia 25 deste ano e que é importante a união entre os movimentos sociais. “Se eu acredito na diversidade, eu acredito na democracia; e se eu acredito na democracia, eu acredito no diálogo como primeira opção”, afirmou. Também falaram Rafaelly Wiest (ABGLT), Toni Reis (ABGLT), Loide Ostrufka (Sismuc), Lisa Minelli (Grupo Esperança) e Marisa Felix (Mães pela Diversidade).

O xis do conservadorismo

Conhecida pela militância no Transgrupo Marcela Prado, Karollyne Nascimento é a primeira pessoa trans do país a ocupar o cargo de ouvidora externa de uma defensoria pública estadual. “Nós queremos ser quem somos e viver como somos”, resumiu ela, adiantando que tem participado de discussões na Secretaria de Estado da Segurança Pública. Esses debates vão resultar em um novo Boletim de Ocorrência, unificado, onde haverá a necessidade de preenchimento dos campos de nome social, de identidade de gênero e de orientação sexual, “para que esses dados sirvam para que a gente possa cobrar políticas públicas dentro da questão de segurança pública”.

“Os avanços [nas políticas públicas LGBTI+] foram feitos em espaços não-majoritários, vieram pelo sistema de justiça, contra majoritário, justamente porque esses espaços [majoritários] ainda são permeados por um conservadorismo muito grande”, alertou Antonio Vitor Barbosa, defensor público e coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado (DPE). “A Casa do Povo ainda é permeada por um conservadorismo muito grande. A gente não pode perder de vista que a própria Câmara de Curitiba arquivou um projeto de lei da utilização do nome social nos processos administrativos, não apenas para os servidores, mas também para todo o público externo”, lembrou.

Indicando um ponto futuro de tensão, o promotor público Rafael Moura, do departamento LGBTI+ do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Direitos Humanos do Ministério Público do Paraná, defendeu a aprovação na CMC do projeto de lei que cria cotas para a população transexual. “É uma medida de justiça, não é uma opção político-partidária, um arroubo. É uma medida afirmativa para reparar uma situação constatável da tremenda desigualdade em que se encontra a população LGBTI+, mas, em particular, a população transexual”, afirmou.


*Notícia revisada pelo estudante de Letras Brunno Abati
Supervisão do estágio: Alex Gruba