Projeto veda uso de “linguagem neutra” em escolas de Curitiba

por Fernanda Foggiato | Revisão: Alex Gruba — publicado 16/02/2023 11h15, última modificação 16/02/2023 11h35
Palavras com a chamada “linguagem neutra”, ou não binária, terminam com outras vogais, consoantes ou símbolos.
Projeto veda uso de “linguagem neutra” em escolas de Curitiba

Proposta defende o aprendizado de acordo com as normas legais. Na imagem, o dicionário Volp. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)

Projeto de lei apresentado na Câmara Municipal de Curitiba (CMC) quer proibir o uso da chamada “linguagem neutra”, ou não binária, na grade curricular e no material didático das instituições de ensino públicas e privadas da rede de educação básica da capital paranaense. Proposta pelo vereador Pastor Marciano Alves (Solidariedade), a restrição também valeria para os editais de concursos públicos no âmbito do Município (005.00014.2023). A “linguagem neutra” usa outras vogais, consoantes ou símbolos nas palavras, com a justificativa de não identificar o gênero masculino ou feminino e de promover a inclusão. 

“O presente projeto de lei tem por finalidade estabelecer medidas protetivas ao direito dos estudantes do município de Curitiba ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com as normas e orientações legais de ensino, na forma que menciona”, defende o autor, na justificativa da proposição. “O direito a uma educação de qualidade é um dever do Estado, disposto no texto da Constituição Federal e irradiado por todo o ordenamento jurídico pátrio”, completa.

Para Marciano Alves, “não raras são as vezes em que essa lógica de ensino é subvertida, criando-se uma linguagem completamente errônea e descabida para a formação do aluno”. “Além disso, a chamada ‘linguagem neutra’ atende a uma pauta ideológica específica, que tenta segregar ainda mais as pessoas. Logo, tal linguagem em absolutamente nada contribui para o desenvolvimento estudantil do aluno”, cita outro trecho da justificativa.

O texto da proposta de lei garante aos estudantes “o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com as normas legais de ensino, estabelecidas com base nas orientações nacionais de Educação, pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa [Volp] e da gramática, elaborada nos termos da reforma ortográfica ratificada pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa [CPLP]”.

“A violação do direito do estudante”, prevê o projeto, levaria à aplicação de sanções administrativas às instituições de ensino públicas e privadas, assim como aos profissionais da educação. Se aprovada pelos vereadores e sancionada pelo prefeito, a lei entrará em vigor a partir da publicação no Diário Oficial do Município (DOM).

No Paraná, a lei estadual 21.362/2023, sancionada em janeiro, veda o uso da “linguagem neutra” na administração estadual. Na semana passada, entretanto, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional lei de Rondônia que proibia o uso da “linguagem neutra”. A ação foi movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee). A decisão da Corte não considera o mérito da norma, e sim a competência para legislar sobre o tema, delegando-a à União.

Tramitação na CMC
Protocolado no dia 8 de fevereiro, o projeto do vereador Pastor Marciano Alves primeiramente será instruído pela Procuradoria Jurídica (Projuris) da Câmara Municipal de Curitiba. O próximo passo será a análise pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), após sua instalação para os trabalhos durante o ano legislativo.

Caso acatada, a iniciativa seguirá para os outros colegiados permanentes, indicados pela CCJ de acordo com o tema da matéria. As comissões podem solicitar estudos adicionais, a anexação de documentos, revisões no texto e o posicionamento de órgãos públicos. 

Concluída tal etapa, o projeto estará apto para a votação em plenário, sendo que não há um prazo regimental para a tramitação completa. Se aprovado, será encaminhado para a sanção do prefeito. Se vetado, caberá à Câmara a palavra final – ou seja, se mantém o veto ou promulga a lei. 

O teor dos projetos de lei é de responsabilidade dos mandatos parlamentares. A divulgação deles pela CMC faz parte da política de transparência do Legislativo, pautada pela promoção do debate público e aberto sobre o trabalho dos vereadores. Atenta ao princípio constitucional da publicidade, a Diretoria de Comunicação Social segue a instrução normativa 3/2022 da CMC.

Propostas semelhantes
Projetos de com teor parecido foram sugeridos pelos vereadores de Curitiba, na atual legislatura. Um deles, apresentado por Nori Seto (PP), em junho de 2021, já concluiu a discussão nas comissões temáticas e pode ser incluído na ordem do dia, para a votação em plenário.

Sem citar a “linguagem neutra”, a ideia é instituir o Plano Municipal de Valorização da Língua Portuguesa (005.00180.2021, com o substitutivo 031.00101.2021). O projeto prevê, por exemplo, o incentivo “à difusão e ao bom uso da língua portuguesa”, assim como “ao estudo e à pesquisa sobre os modos normativos e populares de expressão oral e escrita do povo brasileiro, valorizando a expressão oral com feições curitibanas”.

Eder Borges (PP), em julho de 2021, chegou a propor iniciativa que proibiria o uso da “linguagem neutra” e “não binária” (005.00184.2021, com o substitutivo 031.0078.2021), mas retirou a matéria com a justificativa de adequar sua redação.

Em dezembro do mesmo ano, o vereador sugeriu a criação da campanha municipal Amigos do Vernáculo (005.00326.2021). Um de seus objetivos seria “prevenir o uso e [a] difusão da denominada ‘linguagem neutra, do ‘dialeto não binário’, ou de qualquer outra que descaracterize a norma culta da Língua Portuguesa”. O projeto, no entanto, foi anexado por semelhança à proposta de Nori Seto.