Política Municipal de Cuidados Paliativos tramita na Câmara

por Pedritta Marihá Garcia | Revisão: Brunno Abati* — publicado 03/04/2023 08h00, última modificação 31/03/2023 08h39
Projeto de lei é de iniciativa de Maria Leticia (PV).
Política Municipal de Cuidados Paliativos tramita na Câmara

Objetivo é que cuidados paliativos sejam garantidos por lei e aplicados em hospitais, instituições de longa permanência ou na residência do paciente. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)

Com o objetivo de garantir o direito das pessoas quanto à tomada de decisão em um processo de doença terminal, foi apresentado na Câmara Municipal de Curitiba (CMC) um projeto de lei que institui, na capital paranaense, a Política Municipal de Cuidados Paliativos. Lida no pequeno expediente do dia 14 de março, a matéria aguarda instrução da Procuradoria Jurídica (Projuris) do Legislativo. 

A política pública foi elaborada pela vereadora Maria Leticia (PV) em consonância com as diretrizes para a organização dos cuidados paliativos, atendendo princípios e instruções que norteiam as ações e os serviços públicos de saúde que integram o Sistema Único de Saúde (SUS). Com 15 artigos, o projeto (005.00054.2023) é voltado aos portadores de doenças crônicas sem possibilidade de cura e que são progressivas e àqueles que já estão em fase terminal. 

A Política Municipal de Cuidados Paliativos de Curitiba tem o intuito de garantir a toda pessoa capaz o direito de planejar, de modo antecipado, as decisões sobre “possíveis hipóteses do que pode lhe ocorrer no decurso de uma doença”. E, ao paciente, será garantido o direito de deixar as Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) – ou “Instruções Prévias da Vontade em Saúde” – ao seus representantes no momento da privação da manifestação da vontade. 

O que isso significa? Que a pessoa terá salvaguardado em lei municipal que poderá deixar expressas suas escolhas sobre consentimento ou recusa em relação a testes diagnósticos, a terapias, a procedimentos, a medicamentos, a tratamentos e a outras condutas terapêuticas. No projeto de lei, essas instruções prévias são definidas como “o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”.  

Já o termo Cuidados Paliativos (CP) é estabelecido como a “abordagem que melhora a qualidade de vida de pacientes (adultos e crianças) e seus familiares que enfrentam doenças que ameacem a vida, por meio da assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, com o objetivo de prevenir e aliviar o sofrimento mediante a identificação precoce, a avaliação correta e o tratamento da dor e de outras dificuldades físicas, psíquicas, sócio familiares e espirituais”. 

Objetivo e diretrizes
A política pública deverá ser aplicada no município com base no respeito à dignidade da pessoa humana em seu processo de grave enfermidade e na garantia da autonomia, da intimidade, da confidencialidade dos dados de saúde e da liberdade de expressão da vontade do usuário do serviço de saúde. Os principais objetivos são: promover a integração dos cuidados paliativos na rede de atenção à saúde; melhorar a qualidade de vida dos pacientes; ofertar educação permanente em cuidados paliativos para os trabalhadores da saúde no SUS; e fomentar o desenvolvimento de uma atenção à saúde humanizada.

Das 14 diretrizes elencadas no projeto, destacam-se a reafirmação da vida e do valor intrínseco de cada pessoa, reconhecendo a morte como processo natural; o suporte clínico e terapêutico, que possibilite a melhoria do bem-estar e qualidade de vida ativa do paciente até sua morte e o apoio aos seus familiares, inclusive no período de luto; a promoção de condições para a permanência da pessoa adoecida no seu domicílio, desde que seja essa a sua vontade ou de seus representantes legais e desde que haja condições adequadas do ponto de vista da dinâmica familiar; e o suporte para o óbito domiciliar, se for esta a vontade do paciente, com as condições adequadas e conforme legislação vigente. 

Maria Leticia argumenta, na justificativa da proposta, que esta política pública é necessária ante a angústia de que recebe um diagnóstico de uma doença grave, em estágio terminal. “Um diagnóstico difícil traz à tona questões como o medo da morte, a apreensão em deixar a família desamparada, conflitos do passado e até problemas de ordem prática, como o afastamento do trabalho e a consequente queda de renda, entre outras. E todas essas indagações não podem ser tratadas e abordadas por um único profissional”, analisa.

Direito garantido
Pela proposta de lei, todas as pessoas com doença avançada em progressão terão o direito de receber, no âmbito do SUS ou de serviço privado de saúde, respeitada a sua dignidade e vontade livremente manifestada, cuidados integrais paliativos de qualidade, incluída sedação paliativa quando esta for indicada. Os cuidados paliativos poderão ser aplicados em hospitais, em instituições de longa permanência (ILPs) ou na residência do paciente, preferencialmente por equipe treinada ou especializada.

Os profissionais de cuidados paliativos podem acompanhar um paciente com câncer durante seu tratamento, por exemplo. A doença será cuidada pelo oncologista e o paciente será apoiado pela equipe de paliativistas. Uma criança com paralisia cerebral será assistida por um neurologista, mas os cuidados paliativos podem fazer muito para amenizar os problemas que podem surgir com a menor mobilidade e também para aliviar a carga emocional e psicológica que possa pesar nos ombros dos pais”, exemplifica Maria Leticia. 

Se o médico responsável pelo tratamento divergir da vontade do paciente, deverá ser comunicada à direção do serviço de saúde, que adotará imediatamente as medidas necessárias para garantir o respeito à vontade e à dignidade do paciente. Como estratégias de desospitalização e de alta responsável, poderão ser ofertadas outras modalidades de leitos, como de longa permanência, por exemplo. 

O texto ainda estabelece que poderá ser criada uma identificação das pessoas em cuidados paliativos nos prontuários eletrônicos, dentro dos sistemas de informação utilizados pelos serviços públicos de saúde, para orientar o melhor direcionamento das ações voltadas ao atendimento desses pacientes. E sugere a criação de um Comitê de Cuidados Paliativos para acompanhamento e funcionamento da nova política pública. 

As equipes de cuidados paliativos devem ser multidisciplinares. O médico paliativista atua para melhorar o conforto físico do paciente, amenizar a dor, diminuir o mal-estar causado pela doença ou pelo seu tratamento e toda a equipe trabalha para que esses incômodos e todos os outros sejam atenuados para melhoria da qualidade de vida de quem está enfermo e de sua família e amigos. O time de cuidados paliativos entende que uma doença grave atinge não só o paciente, mas também aqueles que o amam. Por esse motivo, seu papel é cuidar de todos. Daí a importância de ser uma equipe que inclua enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, terapeutas ocupacionais, capelães, assistentes sociais, entre outros profissionais, para dar conta de uma extensa demanda de necessidades”, complementa a autora do projeto de lei.

Para acompanhar a implementação e o funcionamento da Política Municipal de Cuidados Paliativos, poderá ser criado um Comitê de Cuidados Paliativos, com representantes do Poder Executivo, dos prestadores de serviços, dos trabalhadores da saúde, das organizações da sociedade civil e dos usuários. Já o financiamento da política pública deverá ser objeto de pactuação tripartite. Se aprovado o projeto e a lei for sancionada, ela entrará em vigor 90 dias após suas publicação no Diário Oficial do Município. 

Tramitação
Protocolado 
em 13 de março, o projeto de Maria Leticia aguarda instrução da Procuradoria Jurídica (Projuris) da CMC para, então, seguir para a análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Caso acatada, a proposição será encaminhada para os outros colegiados permanentes, indicados pela CCJ de acordo com o tema da matéria. 

As comissões podem solicitar estudos adicionais, anexação de documentos, revisões no texto e posicionamento de órgãos públicos. Concluída tal etapa, o projeto estará apto para a votação em plenário, mas não há um prazo regimental para a tramitação completa. Se aprovada, a iniciativa será enviada para a sanção do prefeito. Se vetada, caberá à Câmara a palavra final – ou seja, se mantém o veto ou promulga a lei. 

O teor dos projetos de lei é de responsabilidade dos seus autores. A divulgação deles pela CMC faz parte da política de transparência do Legislativo, pautada pela promoção do debate público e aberto sobre o trabalho dos vereadores. Atenta ao princípio constitucional da publicidade, a Diretoria de Comunicação Social segue a instrução 3/2022.


*Notícia de revisada pelo estudante de Letras Brunno Abati
Supervisão do estágio: Alex Gruba