Pobreza menstrual: visibilidade à pauta pode dar dignidade às mulheres

por Pedritta Marihá Garcia — publicado 16/09/2021 22h30, última modificação 17/09/2021 13h05
Em audiência pública nesta quinta-feira (16), foi consenso entre os participantes que a pobreza menstrual compromete a educação e a inserção de meninas e mulheres no mercado de trabalho.
Pobreza menstrual: visibilidade à pauta pode dar dignidade às mulheres

A audiência pública foi transmitida pelas redes sociais e está disponível no YouTube. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)

Parlamentares, especialistas, representantes do Poder Executivo, do Ministério Público do Paraná (MPPR) e coletivos de mulheres se reuniram nesta quinta-feira (16) em audiência pública na Câmara Municipal de Curitiba (CMC) para discutir o enfrentamento à pobreza menstrual na cidade. Houve um consenso entre os debatedores: quanto mais visibilidade a pauta tiver na sociedade, maiores as chances de promover dignidade a meninas e mulheres que não acesso a um item básico de higiene pessoal, os absorventes.

A discussão foi promovida pelo gabinete parlamentar do Dalton Borba (PDT) (407.00056.2021). O vereador é autor do projeto de lei que pretende instituir em Curitiba a Política de Combate e Erradicação da Pobreza Menstrual (005.00140.2021). Em análise nas comissões permanentes da Casa, a proposta dispõe sobre dignidade menstrual, qualidade de vida, acesso à informação e promoção à saúde. A matéria é complementar a uma indicação ao Executivo, aprovada em abril passado, para que a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) forneça absorventes higiênicos a adolescentes e mulheres em situação de vulnerabilidade social (203.00181.2021). 

A pobreza menstrual é caracterizada pela falta de condições financeiras para a compra de absorventes e demais itens básicos de higiene, de infraestrutura sanitária e de acesso à educação menstrual. Em 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu o direito à higiene menstrual como uma questão de saúde pública, já que o uso de materiais improvisados, como papel higiênico, trapos e jornais, expõe as pessoas que menstruam ao risco de infecções. 

De acordo com enquete realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), 60% das adolescentes e jovens brasileiras já deixaram de ir à escola ou a outro lugar devido à menstruação. A dificuldade para a compra de absorvente foi relatada por 35% das entrevistadas. Ainda conforme este levantamento, metade das meninas brasileiras vivem em lares com algum grau de insegurança alimentar, o que deixa a aquisição de produtos menstruais em segundo plano. Outro problema é o acesso ao saneamento básico: no país, a estimativa é que 237 mil meninas precisem fazer as necessidades a céu aberto. 

O debate
Na audiência pública, Dalton Borba analisou que a alta tributação do produto acaba sendo um obstáculo para que a população tenha acesso aos absorventes. E uma das dificuldades para baratear isso é que eles são tratados como cosméticos, quando, na verdade, deveriam ser um dos itens essenciais que compõem a cesta básica – esta medida, inclusive está em projeto de lei 4.968/2019 aprovado pelo Senado recentemente e que está pronto para sanção pelo Palácio do Planalto.  

Ao citar o relatório “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdades e violações de direitos”, do Unicef, o vereador ressaltou que as dificuldades vivenciadas por quem tem pobreza menstrual vão além do cuidado com a saúde. “Na menstruação essas mulheres e adolescentes são privadas da liberdade em razão de acesso aos absorventes e materiais de limpeza e higiene necessários neste período.”

Maria Leticia (PV), procuradora da Mulher da Câmara de Curitiba, e autora de outra proposta relacionada à pobreza menstrual – a que pretende criar a Semana de Conscientização do Ciclo Menstrual nas escolas municipais da cidade (005.00063.2021) – informou que sempre acompanhou a problemática e que falar dela significava receber “ataques na internet” e “ser taxada de inútil”. Falar de um assunto, que na sua opinião, é complexo e reflete o tamanho da desigualdade social do país.

“Quando falta absorvente, falta educação, falta estrutura, falta acesso. Falta educação porque sobra tabu. [...] Falar de pobreza menstrual é falar sobre falta de estrutura, dos 30% de brasileiros e brasileiras que não têm saneamento básico, são 713 mil meninas sem acesso a banheiro ou chuveiro em suas casas. Falar sobre pobreza menstrual é falar sobre exclusão. Meninas que improvisam com miolo de pão, papel higiênico, jornal, chegam a perder até 2 meses de aula por ano”, relatou. 

Para Luana Fiorentino, que é presidente estadual da JBS PR, o principal dado que a sociedade precisa debate é que atualmente o país tem mais de 27 milhões de pessoas pobres e que isso reflete diretamente na pauta do combate à pobreza menstrual. “A gente sabe que absorventes e materiais de higiene íntima acabam ficando como subsidiário das famílias que têm mais dificuldades econômicas e isso afeta principalmente as adolescentes, que ficam sem acesso ao produto”. 

“Estar menstruada por representar uma ameaça aos estudos. A pobreza prejudica a frequência escolar e por óbvio o desempenho escolar. Depois, o desempenho profissional. Isso ainda é um tabu na sociedade em 2021 e precisa ser amplamente debatido e discutido. A pauta é intersetorial”, disse Ana Carolina Pinto Franceschi, promotora de Justiça e coordenadora do Núcleo de Promoção da Igualdade de Gênero do Caop de Direitos Humanos do MPPR.

Representando o Coletivo Igualdade Menstrual, Adriana Bukowski reforçou que a discussão ajuda a pauta a ganhar mais visibilidade. Mas observou que, mesmo Curitiba tendo um sistema de saúde robusto, muito planejamento não consegue chegar na ponta, para quem realmente precisa; e que muitas leis acabam não sendo implementadas porque esbarram na questão orçamentárias. Ela também reforçou que a pobreza menstrual afeta não só a saúde física da mulher, mas também a mental. 

Para a vereadora Indiara Barbosa (Novo), que disse estar acompanhando de perto a tramitação dos projetos de lei de Dalton Borba e Maria Leticia nas comissões permanentes, o problema é real e pode ser solucionado não só com ações do poder público, mas também através de uma mobilização da própria sociedade civil. Também participaram do debate Diana Puehler de Queiroz, diretora da UPE-PR; Mariana Rocha, da OAB-PR; Alessandra Abraão, advogada e coordenadora da Procuradoria da Mulher da Assembleia Legislativa do Paraná; Thaísa Oliveira, defensora pública e diretora da Associação das Defensoras e Defensores Públicos do Estado do Paraná; e Ângela Leite Mendes, médica ginecologista, que representou a SMS (Secretaria Municipal de Saúde). 

Confira a íntegra  do debate. Clique aqui para saber mais sobre as audiências públicas já realizadas pela CMC em 2021. 

Campanha na CMC
No último dia 2, o Legislativo repassou ao coletivo Igualdade Menstrual 7.404 itens de higiene. Os produtos foram arrecadados nas portarias do Legislativo, entre meados de junho e o início de setembro. A CMC aderiu à campanha por meio da Procuradoria da Mulher e a ação mobilizou, além da população em geral, os servidores da Casa, organizados por meio do Sindicato e da Associação dos Servidores da Câmara de Curitiba.

Ao todo, foram entregues para Adriana Bukowski, criadora do coletivo Igualdade Menstrual,  6.943 absorventes, 413 sabonetes, 30 calcinhas, 10 pastas de dente e 8 coletores menstruais. Adriana explicou que as doações serão repassadas a escolas públicas, ONGs, penitenciárias e pessoas em situação de rua. Clique aqui para saber mais.