Para evitar 3ª onda, pesquisador pede 21 dias de lockdown em Curitiba

por Pedritta Marihá Garcia — publicado 12/03/2021 16h50, última modificação 12/03/2021 16h56
Recomendação é baseada em nota técnica do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, que reúne o mesmo grupo de pesquisadores que antecipou a 2ª onda da covid-19 no Amazonas.
Para evitar 3ª onda, pesquisador pede 21 dias de lockdown em Curitiba

Lucas Ferrante é um dos autores da nota técnica que aponta que a nova onda de covid-19 em Curitiba será 4 vezes maior que a primeira e a segunda ondas. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)

Na Tribuna Livre da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) da quarta-feira (10), o pesquisador e biólogo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Lucas Ferrante, recomendou que a cidade entre em lockdown, com restrição superior a 90% da população, por um período de 21 dias. A medida teria o objetivo de evitar o risco iminente de uma terceira onda da covid-19 em Curitiba, com proporção quatro vezes maior que a primeira e segunda ondas já vivenciadas pela capital em 2020, conforme aponta nota técnica que avaliou a pandemia na capital. 

A convite da Professora Josete (PT), segunda-secretária do Legislativo, o especialista explicou o documento, é assinado por ele e outros cinco pesquisadores de mais quatro instituições: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Universidade Federal do Amazonas (UFAM); Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ); e Instituto Butantan. Esse grupo também foi responsável por nota técnica divulgada em agosto de 2020 alertando para a possibilidade de uma segunda onda de covid-19 no Amazonas – que abateu o estado em dezembro de 2020 e janeiro deste ano. 

Segundo Ferrante, a nota técnica reúne as conclusões de uma pesquisa que adotou o modelo SEIR (Susceptíveis-Expostos-Infectados-Recuperados), ferramenta primária para estudos epidemiológicos de resposta à covid-19 a nível global, e que tem acertado, de forma precisa, o aumento do número de casos, internações, mortes e ocorrência de novas ondas no Brasil. “O estudo de Curitiba mostra que o colapso de saúde tende a ser quatro vezes maior do que os vivenciados até agora. Quando estou falando isso não estou querendo ser alarmista. Estou trazendo um dado real para preparação e contenção real da crise”, disse.

A estimativa do pesquisador é que os óbitos, internações e casos positivos “vão aumentar drasticamente em Curitiba nos próximos dias”. Conforme a nota técnica, a projeção é de o número de óbitos deve alcançar a marca de 80 óbitos diários no final de março ou no início de abril. “O modelo SEIR prevê ainda, que nessas condições, e com o agravante de não se ter ainda um plano efetivo de vacinação, que uma quarta onda de covid-19 se forme a partir do mês de julho”. “Podemos chegar a quase 100 mortes diárias”, complementou Lucas Ferrante.

Nova variante e volta às aulas
O pesquisador também alertou sobre a presença da nova variante do coronavírus em Curitiba. A P1, como é conhecida, é duas vezes mais transmissível que o SRAS-CoV-2, a linhagem que causou a pandemia em 2020. “Ela é mais agressiva e não faz distinção de idade ao hospitalizar [uma pessoa doente] e levá-la à óbito”, continuou Ferrante, ao informar que 2% da mortalidade hoje é de crianças abaixo dos 5 anos de idade.

“Uma nova variante surge através de mutações e essas mutações são erros de replicações do vírus toda vez que ele passa de uma pessoa para outra”, explicou Ferrante, ao contar que a P1 surgiu na capital manauara durante a alavancada do número de casos positivos decorrida três semanas após o retorno das aulas presenciais, em 24 de setembro. “Apesar de não ter sido a causadora da segunda onda da covid-19 em Manaus, a P1 se tornou predominante em janeiro e de uma maneira muito agressiva”.

“A volta das aulas presenciais e híbridas foi responsável pelo colapso no sistema de saúde, propagação do vírus, surgimento da variante P1 e toda a consternação que ainda se dá em Manaus. Esse foi o gatilho, reconhecido inclusive pela Vigilância em Saúde do Estado”, complementou o pesquisador do INPA. Por isso, a nota técnica que avaliou a atual situação da pandemia em Curitiba aponta para a inviabilidade do retorno presencial ou híbrido das aulas, respaldado pelo modelo SEIR. O retorno das aulas poderá acelerar a transmissão da covid-19, colocando em risco mais de 500 mil pessoas na capital, diz o documento.

Ao destacar que não há nenhum estudo científico que “respalde a segurança da volta às aulas” presenciais ou híbridas, Lucas Ferrante citou pesquisa publicada em fevereiro na revista Scientific Reports que aponta que crianças têm carga viral equivalente a dos adultos e podem se contaminar ou dispersar o coronavírus de igual maneira. “Um dos problemas grandes é que crianças são, em sua maioria, assintomáticas e aceleram a transmissão viral na comunidade, o que leva ao colapso do sistema de saúde. É importante que isso seja considerado”, pediu.  

“É consenso que, nas taxas de imunização, é necessário um lockdown inclusive à nível nacional. Estamos temendo o surgimento de uma nova resistente às vacinas, por essa maior circulação viral”, alertou o pesquisador, ao orientar que as aulas presenciais e híbridas só devem ser consideras seguras quando 70% da população de Curitiba estiver vacinada. “Deixo claro que não é opinião minha, é um parecer de cinco pesquisadores, de vários institutos federais do Brasil, baseado em dados de Curitiba. Independente da opinião de qualquer um que esteja ouvindo isso, isso irá acontecer, é um fato. E apenas dados refutam dados. Não é hora de tomar decisão com base na opinião de cada um”, afirmou.

Lockdown e tratamento precoce
Em resposta a dúvidas apresentadas pelos vereadores Professora Josete, Maria Leticia (PV), Noemia Rocha (MDB), Ezequias Barros (PMB) e Osias Moraes (Republicanos), o biólogo do INPA disse que Curitiba não está em lockdown e precisa implementá-lo imediatamente por pelo menos 21 dias. “Em lockdown se mantém aberto apenas o que é necessário: supermercados, farmácias, hospitais e prontos-socorros. Outros tipos de serviços devem ser fechados por completo. Curitiba está em vista de um colapso eminente. Abrir leitos não funciona porque leitos de UTI precisam de profissionais capacitados e uma hora isso se esgota.”

Ao reiterar que, enquanto não se tem vacina, a única forma de prevenir a doença é com isolamento social, uso de máscaras e higienização das mãos, Lucas Ferrante respondeu que medicamentos como cloroquina ou ivermectina não são eficazes no tratamento precoce da covid-19. “Estudos científicos apontam, em consenso, que esses medicamentos não funcionam. [Mas] por que que tem muita gente receitando? E por que existe esta circulação [de informação]? Porque foi criada uma máquina de fake news para divulgar essa eficiência, quando se ainda era, de fato, considerado que podiam ter alguma eficácia. Água tem tanta eficácia quanto esses medicamentos”, frisou.

“Não existe tratamento miraculoso para a covid-19. A prevenção é o método: uso de máscaras, álcool gel e isolamento social. Medicamentos não funcionam [no tratamento precoce], como agravam a situação. Pedir para utilizar este tipo de medicamento é pedir para agravar ainda mais o sistema de saúde. Isso não é só uma gripezinha, tem matado inclusive crianças. Tem atingido principalmente jovens. A gente precisa encarar isso de forma séria, levando em consideração os estudos científicos e não o achismo”, finalizou o convidado.