Maio Amarelo: a história do primeiro acidente de carro em Curitiba

por Fernanda Foggiato | Revisão: Ricardo Marques — publicado 26/05/2023 07h55, última modificação 29/05/2023 08h32
Primeiro carro de Curitiba foi importado de Paris por ervateiro, há 120 anos.
Maio Amarelo: a história do primeiro acidente de carro em Curitiba

Nossa Memória, da Câmara de Curitiba, resgata histórias do primeiro carro nas ruas da cidade. (Arte: Mayara Leticia)

** Matéria atualizada com informações de um atropelamento, com vítima fatal, ocorrido em 1909.

“Vai causar enorme espanto,
Vai causar pasmo geral.
Essa coisa nunca vista,
Nas ruas da capital.
O povo, de boca aberta,
Há de ficar besta, imóvel.”

Os versos acima foram publicados, há 120 anos, pelo jornal curitibano “Diário da Tarde”. Na edição de 20 de março de 1903, a coluna “Casa da sogra”, que em forma de prosa narrava os acontecimentos da sociedade local, referia-se à chegada, um dia antes, ao porto de Paranaguá, do “primeiro importado para o nosso estado”. 

Segundo estatísticas do Departamento de Trânsito do Paraná (Detran-PR), do Governo do Estado, Curitiba possui, hoje, 1.536.860 veículos cadastrados, o que corresponde à quinta maior frota total do país. A maior parte da frota - 1.015.973 unidades – é formada por carros. Outro dado, conforme o Detran-PR, é que a capital teve 3.964 acidentes de trânsito em 2021, com 60 óbitos. 

No entanto, o cenário no começo do século passado era bem diferente. Se hoje a população estimada de Curitiba é estimada em 1.963.726 pessoas, o Censo de 1900 registrou apenas 49.755 habitantes. À época, a cidade investia em obras de urbanização e de modernização, como para a melhoria dos sistemas de abastecimento de água e de iluminação pública, a implantação de calçadas e a pavimentação das ruas.

De olho no “embelezamento” da região central, ou urbana, a Câmara endurecia as regras para as construções, restringindo os imóveis de madeiras, por exemplo, aos subúrbios (segunda zona) e aos rocios (áreas ainda mais distantes). Outra lei do começo do século passado dizia: "é expressamente proibido estender ou bater capachos, tapetes, roupas etc.” nas janelas e sacadas de frente para a via pública. Teve, ainda, uma lei proibia “transitar em veículos de qualquer natureza ou a cavalo pelas avenidas e praças ajardinadas”, à exceção dos bondes. 

Em 1903, quando o primeiro carro passou a circular nas ruas de Curitiba, fazia apenas cinco anos que o sistema público de transporte operava, com atraso, na capital. Eram os bondes puxados a mulas, que passaram a dividir espaço com as carroças e os cavalos. A cidade vinha se desenvolvendo graças à abertura da estrada da Graciosa, uma antiga demanda, concretizada em 1873, e pela inauguração da Estação Ferroviária, em 1885. As obras potencializaram o escoamento da produção de erva-mate, principal ciclo econômico daquele período.

E foi justamente um jovem industrial ervateiro curitibano, Francisco Fido Fontana, que, aos de 20 anos de idade, importou de Paris o primeiro carro de Curitiba. O veículo chegou ao Porto de Paranaguá, no dia 20 de março de 1903, a bordo do navio alemão “Holsatia”. “É o primeiro importado para o nosso estado”, registrou o “Diário do Paraná”. De acordo com o presidente do Museu do Automóvel de Curitiba, Luiz Carlos Cooper, o carro era da fabricante francesa Peugeot, do modelo Type 56.

Apenas dois meses depois, o jornal “A República” noticiou que o carro que pertencia a Fido circulava “a toda velocidade pela rua Campos Gerais” e quase havia atropelado duas crianças, “filhas do sr. Braga, que brincavam na porta de sua residência”. “A custo escaparam, sendo, porém, morto um cachorrinho pertencente àquele senhor”, afirmou, sem citar quem conduzia o veículo. 

“Lamentável ocorrência”

“Lamentável ocorrência num automóvel”, escreveu, três meses depois do quase atropelamento, o “Diário da Tarde”. A matéria narrava o primeiro acidente de carro com uma pessoa ferida na cidade de Curitiba. Era um sábado à tarde, dia 15 de agosto de 1903. Segundo o jornal, o jovem ervateiro Fido Fontana, acompanhado de um tio, o “ilustre dr. Ermelino de Leão”, e de um funcionário. 

O jornal conta que eles haviam saído da então colônia Santa Felicidade e “dirigiam-se em automóvel para o Bariguy”. “Em uma rampa bastante íngreme, demandando [dirigindo-se para] a chácara Schemelfeng, o break [freio] deixou de funcionar, não sendo possível sofrear [parar] o automóvel, que em carreira vertiginosa descia a ladeira”, escreveu o “Diário”. “Em uma curva brusca do caminho virou o automóvel, ficando gravemente ferido o sr. dr. Ermelino de Leão, que fraturou uma perna. O sr. Fido Fontana sofreu algumas contusões na face e no peito, assim como um criado que estava em sua companhia.”

Ainda segundo o relato do “Diário da Tarde”, a família de Ermelino de Leão foi ao local do acidente, acompanhada de dois médicos, que prestaram os primeiros atendimentos. Também foi enviada uma “ambulância da polícia”, que às 23 horas teria deixado a primeira vítima de acidente de carro, em Curitiba, em sua residência – localizada na rua Boulevard 2 de Julho, atual avenida João Gualberto, no Alto da Glória. 

“Só hoje [17 de agosto] foi ajustado o osso que se achava fora do lugar, achando-se, infelizmente, a parte carnosa completamente esmagada”, continuou a matéria. “Desde ontem, tem sido muito visitado o ilustre dr. Ermelino de Leão, por pessoas de todas as classes sociais. Fazemos sinceros votos pelo completo restabelecimento do ilustre paranaense”, finalizou. 

O jornal “A Republica”, por outro lado, foi bem mais sucinto ao relatar o acidente. A nota citou apenas o nome do dr. Leão e disse que ele, “acompanhado de outras pessoas”, seguia pela estrada de Santa Felicidade (atual avenida Manoel Ribas) quando “deu-se um desastre”, no qual fraturou a perna. Pouco mais de uma semana após o sábado fatídico, o “Diário da Tarde” comemorou: “Acha-se felizmente melhor do seu incômodo de saúde o distinto paranaense dr. Ermelino de Leão, tendo desaparecido os sintomas de fratura na perna”. 

Afinal, onde foi o acidente?

Pelos relatos de 120 anos atrás, da imprensa local, sabe-se que o trio havia deixado a colônia Santa Felicidade, sendo que o trajeto era feito pela estrada de Santa Felicidade, a atual avenida Manoel Ribas, e se dirigia para “Bariguy”. Tal local, aliás, nada tem a ver com o tradicional parque de Curitiba - inaugurado em 1972, quase 70 anos depois do primeiro acidente de carro. Na verdade, “Bariguy” era o nome da região onde hoje fica o bairro Campo Comprido. A ligação se dava pela estrada do Mato Grosso, hoje a rua Eduardo Sprada. Lá ficava, por exemplo, o distrito Nova Polônia.

Uma das matérias também menciona que eles se aproximavam da chácara Schemelfeng. O nome, na verdade, foi gravado foi erro. O correto é Schimmelpfeng. O terreno, que deu origem à maior parte do bairro Bigorrilho, foi comprado, em 30 de junho de 1879, pelo empreiteiro alemão Albino Schimmelpfeng, que trabalhou em obras públicas como as das estradas da Graciosa e do Mato Grosso, conforme atas da Câmara Municipal. Ele também foi dono de uma olaria e de uma serraria. 

A propriedade era usada como ponto de referência na região, o que explica a citação pelo “Diário da Tarde”. Em setembro de 1927, a antiga chácara deu origem à Planta Vila Schimmelpfeng. Seus 493 mil m², o equivalente a 49 campos de futebol, foram divididos em 586 lotes. Ela foi o maior loteamento do Bigorrilho, favorecendo a urbanização do bairro, hoje uma área nobre de Curitiba. 

Resumindo tudo isso, as notícias do acidente evidenciam que o trio seguia, sábado à tarde, pela estrada de Santa Felicidade (avenida Manoel Ribas), em direção à chácara Schimmelpfeng (Bigorrilho). O carro teria ficado sem o freio numa curva, após uma ladeira. Nisso, o veículo teria descido, de ré, e tombado. Um passageiro, o dr. Leão, quebrou a perna, enquanto os outros tiveram apenas escoriações.

A reportagem da Câmara Municipal de Curitiba foi até a avenida Manoel Ribas para desvendar onde, afinal, teria ocorrido o primeiro acidente de carro de Curitiba. Não é possível cravar o local exato. No entanto, pelas características do terreno, o ponto mais provável para o tombamento fica, hoje, no bairro Cascatinha, na altura do número 3.200 da antiga estrada de Santa Felicidade. 

Assista abaixo ao vídeo, realizado em parceria com o Plantão 190: 

Entre Leões

As notícias do período também colocam em dúvida a identificação de qual filho do rico desembargador Agostinho Ermelino de Leão, um dos idealizadores e o primeiro diretor do Museu Paranaense, foi a primeira vítima de um acidente de carro em Curitiba. Falecido em 28 junho de 1901, o desembargador também era o avô materno de Fido Fontana e ficou responsável por sua criação quando ele perdeu o pai, aos 11 anos de idade. O desembargador foi casado com uma prima, Maria Bárbara Correia, irmã de Ildefonso Pereira Correia, que chegou a ser o maior produtor mundial de erva-mate. Ele era, portanto, primo e cunhado do importante industrial, que receberia, da Princesa Isabel, o título de Barão do Serro Azul. 

Segundo o jornal, o jovem ervateiro Fido Fontana estava acompanhado de um tio, o “ilustre dr. Ermelino de Leão”, e de um funcionário. Dos seis filhos do casal, dois tinham nomes parecidos. O primogênito era o industrial ervateiro Agostinho Ermelino de Leão Junior e um de seus irmãos, advogado, historiador, jornalista e deputado estadual, chamava-se Ermelino Agostinho de Leão. Então, afinal, qual dos tios de Fido Fontana, identificado apenas como “ilustre dr. Ermelino de Leão, estava no veículo Peugeot, naquela tarde de sábado, em 1903?

A análise de notícias publicadas no começo do século passado indica, justamente pelo uso do “doutor”, que o passageiro, primeira vítima de um acidente de carro em Curitiba, seria Ermelino Agostinho de Leão, que era advogado. A imprensa costumava se referir a seu irmão, o ervateiro que fundou a Mate Leão e construiu o Palacete dos Leões, na avenida João Gualberto, como “senhor Leão Junior”. 

Na edição de 6 de julho de 1901, por exemplo, o “Diário da Tarde” comunicou que o “ilustre dr. Ermelino Agostinho de Leão” havia assumido a direção do Museu Paranaense. E quem foi nomeado para substituir o desembargador foi justamente o advogado, historiador e jornalista. Em 25 de abril de 1902, o mesmo jornal publicou que o “sr. dr. Ermelino de Leão pediu dispensa desse cargo”. Em seu lugar foi nomeado o historiador, jornalista e político Romário Martins, que ficou à frente do Museu Paranaense por 26 anos. 

Também o “Diário da Tarde”, em 1902, ao noticiar uma reunião entre os industriais da erva-mate, citou que, entre os presentes, estava o senhor “Agostinho E. de Leão Junior, representado pelo dr. Ermelino de Leão”. Outro indício é que o advogado e Fido Fontana foram sócios, ao lado de Adalberto Narcar Correia, da Leão, Correia & Fontana. A sociedade foi dissolvida em setembro de 1903 e Fido assumiu “os passivos e os ativos da extinta firma”. 

Ermelino Agostinho de Leão faleceu em fevereiro de 1932, aos 62 anos anos de idade. Além de advogado, ele foi historiador, publicando o "Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná", dentre outras obras. Como jornalista, foi redator do “Diário da Tarde” e fundou o “Jornal de Antonina”, cidade em que viveu por mais de uma década. Foi diretor e sócio de empresas e, por dois mandatos, eleito em 1898 e 1928, deputado estadual do Paraná. Casado com Deocleciana Augusta da Rocha Leão, tiveram quatro filhos. 

O irmão mais velho, Leão Junior, faleceu em 18 de novembro de 1907, aos 41 anos. Os negócios foram assumidos pela viúva, Maria Clara de Abreu Leão – ela era neta do Visconde de Nácar e irmã do engenheiro Cândido de Abreu, que projetou o Palacete dos Leões e foi prefeito de Curitiba. 

Batizada pela lei municipal 1.104/1955,  a avenida Agostinho Leão Junior, que passa pelos bairros Centro e Alto da Glória, homenageia, na verdade, um dos filhos do casal, Agostinho Ermelino de Leão Junior. Ela é perpendicular a uma pequena rua, a Luiz Leão, continuação da Barão de Antonina e denominada, pela lei 251/1950, em homenagem a Luiz Abreu Leão, o mais novo entre os herdeiros de Leão Junior e Maria Clara. 

Já as primeiras menções à rua Desembargador Ermelino de Leão, no Centro da capital, são de 1903. Para realizar a homenagem, foi alterado o nome da rua do Observatório. A via, inclusive, passa pela lateral do Museu Paranaense – o primeiro do estado, fundado em 1876, com a participação do desembargador.

Os três FFFs

Francisco Fido Fontana também tem uma rua em sua homenagem, no bairro CIC, instituída pela lei municipal 6.556/1884. O curitibano foi o único filho do industrial do mate Francisco Fasce Fontana com Maria Dolores de Leão, a segunda dos seis filhos do desembargador Agostinho Ermelino de Leão com Maria Bárbara Correia.

Nascido na Itália, Fasce migrou para o Uruguai em 1953, onde enriqueceu com a erva-mate. Ele chegou à cidade de Curitiba em 1880 e por aqui construiu o Solar das Rosas, no Alto da Glória. Parte de seu terreno foi doado para a construção do Passeio Público, o primeiro parque de Curitiba - inaugurado em 1896, dois anos após a morte de Fasce Fontana, por problemas de saúde. 

O Solar das Rosas foi elogiado até mesma pela Princesa Isabel, que durante a passagem pela capital, em 1884, se encantou com os “maravilhosos” jardins e o licor de mate. A mansão foi demolida em 1974. No local, hoje, só sobrou um portal que adorna a entrada de um conjunto de edifícios em frente ao Colégio Estadual do Paraná. Condecorado com a Ordem das Rosas, em 1888, Fasce tornou-se comendador. É por isso que a rua em sua homenagem, no Centro Cívico, recebeu o nome de Comendador Fontana pela lei municipal (1.122/1955). 

Em 1894, com a morte do pai, Fido, de 11 anos de idade, teria sido criado pelo avô materno, o desembargador Agostinho Ermelino de Leão. Viúva ainda jovem, sua mãe, Maria Dolores de Leão, tocou os negócios no engenho. Casou-se novamente, com Bernardo Augusto da Veiga, e eles tiveram três filhos, sendo que um manteve a tradição ervateira. 

Francisco Fido casou-se com Iphigenia Correia, filha de Ildefonso Pereira Correia, o Barão do Serro Azul, com quem teve cinco filhos. Viúvo, casou-se novamente com Mercedes Jardim, e teve mais duas filhas. Quando faleceu, em 1946, presidia as Fábricas Fontana S.A. e a Associação Comercial do Paraná (ACP), dentre outros cargos. 

Com a morte do pai, dois de seus filhos, Francisco Flavio Fontana, cujo nome deu sequência à tradição dos FFFs, e Ildefonso Correia Fontana, mantiveram a fábrica de erva-mate. Em 1953, por decisão de Ildefonso, as Fábricas Fontana e outros três engenhos se fundem, dando origem à Mate Real. 

Casa de Novidades

Depois que passou a circular de carro por Curitiba, Fido chamou a atenção da sociedade local. Sem deixar de lado a indústria da erva-mate, ele também foi o dono da primeira importadora de veículos e, um tempo depois, da primeira oficina mecânica da capital. Em agosto de 1904, ele passa a divulgar, na imprensa, as promoções de sua “Casa de Novidades”, que ficava na rua XV de Novembro. 

“O mais barato e seguro dos automóveis. Agência geral para o Sul do Brasil da Olds Motors Works [marca norte-americana]", anunciava no jornal “A Noticia”. Os carros, apontava, podiam ser parcelados. Também eram vendidos fonógrafos (primeiros aparelhos a gravar e a reproduzir sons), discos nacionais “pelos preços do Rio de Janeiro, motocicletas, e máquinas fotográficas, dentre outros artigos". 

Fido também se aventurou pelo cenário cultural. Ele foi proprietário do Teatro Recreio, em Curitiba, e presidiu os “Amadores da Glória”. Conforme matéria do jornal “Electra”, de 1902, o grupo era formado por jovens “distintos e inteligentes”. Eles encenaram, por exemplo, a peça “Ladrões da honra”, descrita como um “magnífico drama de combate ao jesuitismo sórdido”, proclamando a “liberdade de consciência”. “Manda a justiça que saudemos o espírito livre e independente de Fido Fontana”, escreveu a publicação. 

A primeira transmissão da Rádio Clube Paranaense, pioneira no estado, foi feita da Mansão das Rosas, no dia 27 de junho de 1924. Fido foi eleito para presidir a sociedade, cuja diretoria também reunia Lívio G. Moreira, Ludovico Joubert, Euclides Requião, Bertholdo Hauer, os irmãos Alfredo e Oscar de Plácido e Silva, Gabriel Leão de Veiga, Olavo Borio e Alberto Xavier de Miranda. 

“Perigosos automóveis”

Os acidentes, é claro, continuaram a acontecer. Em abril de 1909, foi noticiado o que seria o primeiro atropelamento, por um carro, na cidade de Curitiba. Conforme o “Diário da Tarde”, um chauffeur (motorista) a serviço de Fido Fontana testava um “automóvel do governo”, que havia passado por reparos naquela oficina mecânica, com o objetivo de “verificar se a máquina estava perfeitamente consertada”. O carro seguia pela estrada do Água Verde, em direção ao Portão.

“O chauffeur, segundo seu depoimento, guiava a máquina em sua marcha regular e ia buzinando pela estrada, a fim de evitar que o veículo pudesse apanhar alguma pessoa distraída”, escreveu o jornal. O atropelamento teria acontecido em frente a um açougue, quando uma mulher teria surgido na estrada e, “contra todos os esforços empregados”, foi atropelada e faleceu. 

A vítima foi identificada como a italiana Carolina Cortiano Rosso (Carolina Derosso), de 40 anos, casada, do lar e moradora do Xaxim. “Como causa da morte os legistas constaram o esmagamento da caixa torácica”, afirma a notícia. “Apesar dos ferimentos”, a morte não teria sido instantânea, e sim ocorrido duas horas depois do acidente. Para o comissário da polícia que instaurou o inquérito, “o fato foi puramente casual, conforme averiguou".

Outro acidente também aconteceu na estrada de Santa Felicidade e num sábado à tarde, em dezembro de 1912. “Deu-se, na estrada que vai desta cidade à colônia Santa Felicidade, um desastre provocado pela imprudência de um chauffeur [motorista], do qual saiu ferido um menino”, escreveu o “Diário da Tarde”. “Um dos chauffeurs da Garage Internacional, de propriedade do sr. Fido Fontana, guiava um automóvel que, numa velocidade máxima, apavorava os moradores da colônia Santa Felicidade.” 

“Antes de chegar à sede da colônia, próximo à casa do sr. Mocellin, achava-se na estrada o menor Virgilio, filho do sr. Carlos Previdi, o qual, não obstante sua agilidade, foi ferido gravemente pelo automóvel”, relatou ainda o jornal. A matéria completa que o comissário que atendeu a ocorrência “deu as providências necessárias, a fim de punir o desastrado chauffeur. 

Em maio de 1913, o “Diário” noticiou outro acidente que teria sido causado por um chauffeur que trabalhava para Fido Fontana. Sob o título “Os raids automobilísticos pelo Centro da cidade”, a matéria dizia que, daquela vez, um soldado havia sido ferido, na praça Tiradentes, pelo “abuso praticado pelos chauffeurs que loucamente, mesmo quando as ruas estão bastante frequentadas, dão aos perigosos veículos vertiginosa velocidade”. 

A publicação alertava principalmente às “doidas correrias, como se tomassem parte de um raid urbano” na rua XV de Novembro, ameaçando os pedestres. O motorista, “sendo perseguido pelo clamor público”, fugiu do local do acidente. Com contusões num braço e numa perna, o soldado, dizia a matéria, recebeu os primeiros atendimentos numa farmácia e depois foi levado ao Hospital Militar. 

No entanto, mesmo antes dos carros começarem a circular em Curitiba, já havia registros de acidentes com os bondes puxados a mulas. O primeiro deles, em dezembro de 1887, apenas um mês depois da inauguração do novo modal de transporte. Num domingo de manhã, segundo a “Gazeta Paranaense”, o bonde nº 3 descia a rua da Assembleia (atual alameda Doutor Muricy) “com tanta velocidade que não obedeceu a curva” e descarrilou na rua da Imperatriz (nome que recebia a XV de Novembro).

Dias depois, o mesmo jornal noticiou outro acidente, desta vez com o bonde nº 4. O veículo teria se chocado e destruído a “carrocinha de conduzir lenha” da “alemã Paulina, colona pobre que começa sua vida”. De acordo com a “Gazeta”, testemunhas informaram que o cocheiro “muito de propósito fez esse mal”. Na edição seguinte, a Empresa Curitybana rebateu as acusações, criticando a “inconveniência [...] de serem entregues o governo de animais em carroças e mesmo carros a mulheres”. Quer ler sobre mais sobre os acidentes no tempo dos bondes? Confira na reportagem da série do Nossa Memória da Câmara de Curitiba que resgatou, em 2016, os conflitos do transporte na capital paranaense. 


Nossa Memória

Iniciado em 2009, pela Diretoria de Comunicação Social, o Nossa Memória é um projeto de resgate e valorização da história da Câmara Municipal e de Curitiba, já que ambas se entrelaçam. Além das reportagens especiais, a página traz, por exemplo, “Os Manuscritos”, que reúnem documentos desde a fundação oficial da cidade, em 1693, e o “Livro das Legislaturas”, com os vereadores da capital paranaense desde 1947.  

 ** Confira aqui as referências usadas para a pesquisa histórica.