Elogio a 1964 provoca reações contra a ditadura militar na Câmara de Curitiba

por José Lázaro Jr. — publicado 31/03/2021 16h35, última modificação 31/03/2021 16h35
Comentário de Éder Borges elogiando a tomada do poder pelos militares em 1964 foi entendida como apologia à ditadura, recebendo críticas de vereadores.
Elogio a 1964 provoca reações contra a ditadura militar na Câmara de Curitiba

Na fotografia, Éder Borges, do PSD, cuja opinião sobre 1964 motivou críticas em plenário. (Foto: Carlos Costa/CMC)

“Eu não defendo a ditadura, é justamente o contrário. O contragolpe de 1964 foi justamente para que o Brasil não entrasse em uma terrível ditadura, assim como entraram Cuba e outros países. O Brasil entrou em um processo ditatorial mais tarde, em 1968, e eu não apoio isso”, esclareceu Éder Borges (PSD), nesta quarta-feira (31), na Câmara Municipal de Curitiba (CMC). A explicação veio depois dele ser criticado por Carol Dartora (PT), Dalton Borba (PDT), Professora Josete (PT) e Renato Freitas (PT) por uma fala no início da sessão plenária, que foi entendida como apologia à ditadura militar (confira aqui).

“Há 100 anos, a revolução comunista tomava corpo com Lenin, Stálin, Trotski. Ao longo do tempo foram conquistando outros países, do Leste Europeu, sempre através de revoluções, de luta armada, nunca de forma democrática. A coisa foi acontecendo até que chegaram a Cuba, com o objetivo depois renovado com o Foro de São Paulo, de transformar a América Latina em uma grande sucursal de Moscou”, começou Borges. Para o vereador, o movimento comunista no país seria irrefreável se os militares não tivessem dado um “contragolpe”. “A situação era muito grave, até que em 31 de março de 1964 o povo brasileiro, a sociedade e as instituições deram o grito de liberdade e disseram não ao comunismo”.

“De fato, vivemos um regime de exceção naquela época, com certeza necessário num primeiro momento, que talvez tenha se estendido por mais tempo do que deveria. O fato é que se isso não tivesse acontecido, o Brasil seria hoje uma grande Cuba, que parou no tempo e está até hoje nos anos 1950. Está na miséria e não tem nenhuma liberdade de expressão. Hoje é dia de comemorar a liberdade”, completou o vereador, afirmando que “a bandeira [do Brasil] nunca será vermelha” – em alusão à cor geralmente associada ao comunismo, por ser o tom predominante na bandeira da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Contra a ditadura
“Eu recomendo um pouco mais de comprometimento com o estudo”, respondeu Dalton Borba, que antes se referiu à narrativa de Borges como “história fantasiada”. “Comemorar golpe militar é, no mínimo, uma afronta à Constituição brasileira. Eu peço respeito. O Brasil nunca, jamais vai abrir mão da democracia, mas da democracia republicana, que é o governo do povo, pelo povo e para o povo”, acrescentou, dizendo que há 22 anos leciona sobre constitucionalismo moderno.

“Como professora e bacharel em História”, afirmou Carol Dartora, “eu não concordo com nada que foi dito pelo vereador Éder Borges e não sei de onde ele tirou essas informações”. “Deixo aqui a minha indignação em relação a fala do vereador Éder Borges, porque o que ele traz não retrata a história brasileira, onde nós tivemos muitas pessoas presas, torturadas e mortas, que as famílias até hoje não encontraram os corpos para se despedir dignamente dos parentes. A ditadura militar assolou esse país de 1964 até 1985. Não podemos distorcer a história”, concordou a Professora Josete.

“Defender a ditadura, dizendo que foi um grito de liberdade, quando foi um regime de exceção, é um horror. E acho que a CMC tem que se posicionar, pois dizer que cada vereador pode dizer o que quiser é quase permitir que o pedófilo defenda a pedofilia, que o racista defenda o racismo. É preciso que a Câmara de Curitiba se dê ao respeito, sob o risco de perdermos o pouco que ainda temos da população”, protestou Maria Leticia. Antes, o presidente da CMC, Tico Kuzma (Pros), sem se referir diretamente ao episódio, havia asseverado que “cada vereador é responsável por aquilo que faz, por aquilo que fala, e por isso deve responder”.

A crítica mais incisiva ao discurso de Borges foi feita por Renato Freitas, que fez menção do caso merecer análise pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. “[A fala sobre 1964 pode ser compreendida como] um crime contra a racionalidade e contra a história, e arrisco dizer [que possa ser entendida como] uma quebra de decoro, ao vir a público, numa câmara de vereadores, dizer que não deveria haver constituição. Que deveria dissolver e fechar o Congresso. Se ele [Borges] está aqui, é por conta dos mecanismos democráticos, sobretudo do voto, mas está aqui louvando a tortura e outras práticas ignominiosas, abjetas”.