Dia da Mulher: dissertações evidenciam participação feminina em Curitiba

por João Cândido Martins | Revisão: Vanusa Paiva — publicado 08/03/2022 16h25, última modificação 09/03/2022 08h14
Presença das mulheres na Câmara Municipal de Curitiba foi tema de duas dissertações de mestrado defendidas no ano passado na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Dia da Mulher: dissertações evidenciam participação feminina em Curitiba

Dissertações de mestrado evidenciam participação feminina na Câmara. (Foto: Carlos Costa/CMC)

A presença das mulheres na Câmara Municipal de Curitiba (CMC) foi tema de duas dissertações de mestrado defendidas em 2021 na Universidade Federal do Paraná (UFPR). As pesquisas foram apresentadas por Jeanette Soares e Karina Lançoni Bernardi e fazem análises distintas, mas complementares no entendimento sobre a atuação das mulheres no Legislativo Municipal. No Dia da Mulher, a Câmara destaca esses estudos e indica sua leitura a todos que tiverem interesse na ocupação de espaços públicos por mulheres.

A pesquisa proposta pela jornalista Karina Bernardi apresenta uma análise sobre a imagem pública projetada em campanhas eleitorais de quatro mulheres vereadoras de Curitiba, eleitas pela primeira vez em 2016, para a legislatura de 2017 a 2020, a partir de um estudo sobre o perfil comunicacional das parlamentares, enquanto candidatas, nas campanhas eleitorais de 2016 e 2020. A pesquisadora menciona que, segundo dados de 2018 do Observatório de Igualdade de Gênero da América Latina e do Caribe (Cepal-ONU), a média de mulheres que ocupavam o cargo de vereadora na América Latina era de 29,6%. No Brasil, o índice de mulheres vereadoras chegava a 13,5%, um dos piores indicadores do continente em equidade de gênero no Legislativo Municipal, à frente apenas de Antígua e Barbuda, do Panamá e da Guatemala.

“Na Câmara Municipal de Curitiba, as eleições municipais de 2016 reforçaram a tendência histórica, com um parlamento predominantemente masculino entre os eleitos. Embora as mulheres representem 52,3% da população curitibana e 53,8% do eleitorado da cidade, apenas oito mulheres foram eleitas de forma direta em 2016, o que representa 21% das 38 cadeiras disponíveis, formando assim a maior bancada feminina da casa (desde que a primeira mulher foi eleita para a Câmara, em 1947)”. Em 2020, pela primeira vez uma mulher teve a maior votação entre os eleitos: Indiara Barbosa (Novo), que recebeu 12.147 votos. Outro fato de destaque foi a eleição da primeira mulher negra vereadora de Curitiba: Carol Dartora (PT). Considerando que apenas 29 mulheres foram eleitas para a Câmara, esses fatos recentes demonstram que a presença feminina na Câmara está aumentando.

Citando autores que se dedicaram aos mecanismos das campanhas políticas, Bernardi destaca que é necessário que a imagem pública, trabalhada na campanha eleitoral, bem como os valores morais das candidatas, esteja alinhada ao seu histórico de vida e de atuação política. “Nessa construção da imagem pública, é preciso se levar em conta que quando a mulher decide ser protagonista na vida pública, muito possivelmente a vida privada será exposta”, diz a pesquisadora. Ela cita a autora Luciana Panke, para quem o “empoderamento feminino requer o desenvolvimento de uma série de iniciativas que vão desde mudar a forma como se ensina gênero nas escolas, até o fortalecimento econômico das mulheres e mecanismos que possam ampliar a sua participação na política representativa”. Entre as soluções apontadas pela autora estão: “Educação igualitária em casa, nas escolas, leis que punam violência política e simbólica, cotas afirmativas para Legislativo e Executivo”.

No entendimento da autora da pesquisa, “a inserção das mulheres na política representativa enfrenta muitos obstáculos, principalmente nas sociedades latinas, em que a estrutura patriarcal cria barreiras simbólicas que determinam as atribuições de cada gênero na sociedade, reservando o espaço privado às mulheres e o espaço público aos homens”. Karina Bernardi acredita que “mesmo com os mecanismos legais que garantem cotas para as mulheres dentro dos partidos, com base na literatura revisada e nos dados levantados na pesquisa empírica, ficam evidentes as dificuldades enfrentadas pelas mulheres que têm a coragem de se lançarem na política representativa no Brasil. Tais barreiras são enfrentadas por elas dentro dos partidos, durante a campanha e no exercício do mandato, sendo mais vulneráveis a ataques de opositores e da população, relacionados principalmente às suas condutas morais”.

Trajetórias
Jeanette Soares investigou a trajetória de 22 mulheres eleitas vereadoras no município de Curitiba, abrangendo o período de 1982 a 2016. O período recortado não inclui as duas primeiras vereadoras eleitas na cidade: Maria Olympia Carneiro Mochel (1947) e Brandão Tesseroli (1964). As mulheres somente passaram a ocupar cadeiras na Câmara de forma mais constante a partir do ano de 1982. Jeanette lembra que o voto feminino foi aprovado no Brasil em 1932, mas não era de caráter obrigatório, ao contrário do que acontecia com os homens. Com a Constituição de 1946, todas as mulheres do país passaram a ter o direito de serem eleitas para todos os cargos e níveis da federação. Neste momento, mulheres em todo o Brasil foram eleitas para a vereança em suas cidades.

De acordo com ela, a Lei de Cotas Partidárias (lei 9.100/95) reservava apenas 20% das candidaturas para mulheres, mas ao autorizar que os partidos excedessem os 100% de sua cota de candidatos para compensar a presença das mulheres, a lei, embora positiva, gerou problemas que relativizaram sua importância. Em 2015, foi aprovada uma espécie de minirreforma eleitoral (lei 13.165/2015) que também foi problemática com garantia de 30% das vagas partidárias a mulheres, mas estabelecia que essas mulheres só poderiam ter acesso a 15% dos recursos do Fundo Partidário, o que criou constrangimento e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5617), acolhida pelo Supremo Tribunal Federal em 2018, com entendimento favorável às mulheres candidatas. Essa medida foi corroborada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que além de igualar o acesso ao Fundo, também garantiu o mesmo tempo de propaganda eleitoral gratuita para homens e mulheres.

Jeanette explica que sua pesquisa promoveu uma “biografia coletiva” das mulheres que ocuparam vagas na Câmara no período citado. A análise foi elaborada no que diz respeito aos aspectos sociodemográficos, partidários, associativistas, tipos, capital político, como também ao apoio e à motivação recebidos para o desenvolvimento da trajetória política. “Graças a uma pesquisa minuciosa, foi possível obter um perfil detalhado das 22 vereadoras eleitas para a Câmara Municipal de Curitiba no período de 1982-2016. Delimitado esse recorte, apresentaram-se teorias, dados e interpretações em torno das questões ‘quem são’ e ‘o que fazem’, no sentido de descrever o perfil das eleitas no período analisado em sua trajetória social e a política prévia ao ingresso na Câmara Municipal de Vereadores, na tentativa de explicar as variáveis que possibilitaram a essas mulheres ocupar um cargo no Legislativo Municipal”, esclareceu a pesquisadora.

Ainda de acordo com ela, além do advento da Lei de Cotas Partidárias para Mulheres, outros fatores favoreceram para um aumento no número de representantes eleitas para os legislativos municipais, como, por exemplo, a melhoria das condições de escolarização das mulheres, os avanços no mercado de trabalho e o próprio regime democrático, principalmente a partir de 1988 com a ampliação do poder de associação e da liberdade sindical. Mas Jeanette reforça que “os obstáculos sociais de gênero para ingresso das mulheres na política permanecem como uma grande contradição nas democracias ocidentais no sentido de que as mulheres estão inseridas formalmente na esfera política, mas as suas especificidades, especialmente a maternidade, precisam ser "apagadas" para tornarem-se competitivas na arena eleitoral”.

Para a pesquisadora, o perfil geral das vereadoras que foram eleitas para a Câmara Municipal de Curitiba entre 1982 e 2016 engloba algumas características (que naturalmente não se aplicam a todas) mas, de modo geral, segundo ela, tratava-se de uma mulher: “migrante, proveniente de outras cidades do Paraná ou de Santa Catarina, tinha curso superior, era casada e mãe, não tinha filhos na faixa etária infantil durante o ano da eleição, exercia uma ocupação pública, socialmente engajada em diferentes formas de associativismo, predominantemente em ONGs, entidades beneficentes ou associações de moradores, tinha perfil de ‘cuidadora’ e construiu seu próprio capital político (mesmo quando já tinha um capital familiar)”.

Ainda segundo Jeanette, esse perfil genérico mostra uma mulher que se “filiou a um partido político, pela primeira vez, em partidos do centro ou da direita do espectro partidário, migrou de partido pelo menos uma vez antes do ingresso no primeiro mandato, foi eleita, predominantemente, por partidos de direita, permaneceu entre 1 e 4 anos no partido pelo qual foi eleita, decidiu se candidatar por automotivação ou apoio do meio profissional, não recebeu apoio de grupos organizados de mulheres, tinha lançado uma ou mais candidaturas a diferentes cargos antes de ser eleita pela primeira vez como vereadora, elegeu-se após a promulgação da Constituição de 1988 e da vigência da Lei de Cotas partidárias de 1995, além de ter ingressado na Câmara de Vereadores de Curitiba, pela primeira vez, com mais de 45 anos de idade”.