Contra ataques, promotora defende educação e cultura de paz

por Fernanda Foggiato | Revisão: Ricardo Marques — publicado 21/06/2023 18h45, última modificação 22/06/2023 13h01
A Tribuna Livre, espaço democrático de debates da Câmara de Curitiba, recebeu a promotora de Justiça Beatriz Spindler de Oliveira Leite.
Contra ataques, promotora defende educação e cultura de paz

“O perfil desses jovens que atacam as escolas é um perfil muito similar”, explicou a promotora. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)

Como impedir a violência contra a escola? Na sessão desta quarta-feira (21), a Tribuna Livre da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) traçou o perfil dos agressores e apresentou propostas para evitar os ataques, com destaque à promoção da qualidade do ensino e da cultura de paz. Quem conduziu o debate foi a promotora de Justiça Beatriz Spindler de Oliveira Leite, do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Criança, do Adolescente e da Educação do Ministério Público do Paraná (MP-PR). O convite para ela participar do espaço democrático de debates do Legislativo partiu do vereador Sidnei Toaldo (Patriota).

“Somente este ano foram cinco ataques contra a comunidade escolar. Na maioria dos casos, a motivação tem sido o bullying e a falta de estrutura familiar”, afirmou Toaldo. Lamentando mais uma vez o ataque ao colégio estadual de Cambé (PR), na última segunda (19), que vitimou dois estudantes, o vereador disse que o debate na Tribuna Livre, espaço reservado no começo de maio, foi realizado num “momento oportuno, após mais um ato de violência”.

“Nós temos que definir muito bem essa temática, porque nós temos a violência na escola e a violência contra a escola”, diferenciou a promotora. As primeiras situações, explicou, têm sua origem dentro do ambiente escolar, como o bullying. Já a violência contra a escola compreende as situações “que têm sua origem fora”, a exemplo do ataque ao colégio estadual de Cambé, nesta semana.

Para saber como enfrentar o fenômeno, Beatriz apontou que, primeiro, é necessário entender o perfil dos agressores. Segundo ela, foram registrados 22 casos de violência contra a escola no país nos últimos 21 anos, sendo 9 deles entre agosto de 2022 e março de 2023. “Isso [aumento recente dos ataques] nos chama a atenção”, citou. “Nós estamos saindo de um período pandêmico, um período de isolamento social, um período de aumento de instabilidades emocionais, psicológicas e de problemas de saúde mental, nós não podemos esquecer este fato”, lembrou.

A convidada apresentou dados de um grupo de pesquisas coordenado pela professora Telma Vinha, da Unicamp, sobre o perfil dos jovens que planejam os ataques às escolas. “O perfil desses jovens que atacam as escolas é um perfil muito similar”, explicou a promotora. A maior deles, conforme o levantamento, são homens jovens, brancos, em situação de isolamento social, com “um gosto peculiar por violência e armas”, “valores e concepções extremamente opressores, e eles têm um gosto por misoginia, homofobia, racismo”.

“Eles buscam um valor, um reconhecimento exacerbado [...] numa subversão de valores”, continuou a oradora. Outro ponto em comum é frequentar a “Deep Web”, onde os jovens passam a frequentar comunidades e migram inclusive para redes sociais da “superfície da web”. “Eles começam a se encontrar em comunidades e, dentro desse discurso de ódio, começam a fomentar entre si esse discurso de ódio e a se encontrar para arquitetar os planos de ação que têm em comum a escola como alvo”, disse. “Eles têm a escola como alvo, porque a escola é motivo de mal-estar para eles”, justificou.

A importância da educação

“Há um traço que se identifica em todos esses jovens, uma falta de perspectiva e de propósito de vida. E aqui eu destaco isso, porque também se verificou que muitos deles abandonaram a escola, e esse é um fator muito importante. Inclusive, destaco aqui à Comissão de Educação [da CMC], nós defendemos a necessidade da permanência dos jovens no ambiente escolar, e no ambiente escolar que ofereça uma educação de qualidade.”

“Nós não sabemos nem quando nem onde nós teremos um ataque de violência contra a escola. Infelizmente, este é o nosso prognóstico”, ponderou a promotora de Justiça. “Muitas dessas situações nós não vamos conseguir debelar, porque o potencial agressor não vai divulgar […] onde esse ataque irá ocorrer.”

Segundo a convidada, a escola precisa ser “um espaço de pertencimento e acolhida”. “É muito importante que a gente tenha uma educação de qualidade desde os primeiros anos de vida”, ressaltou. Nesse sentido, defendeu ela, é essencial trabalhar a cultura de paz dentro da escola.

“É muito importante que nós tenhamos dentro da escola a presença dos profissionais da assistência social e da psicologia [determinada pela lei 13.935/2019]”, acrescentou. Tais profissionais teriam o papel de identificar alunos com comportamentos de risco, encaminhando-os para o atendimento individualizado. “Outra medida seria também se pensar quais são os pontos de vulnerabilidade dentro das escolas, […] de segurança, que podem, sim, ser melhorados, para construir protocolos de segurança.

“A escola tem que deixar de ser um palco de sofrimento, a escola tem que ser um ambiente de valorização, a escola tem que resgatar seu espaço de criação de valores, ela tem que ser um espaço de diálogo para esses alunos”, reforçou. “Nós termos nossos alunos presentes nas escolas já é um dos primeiros passos”, concluiu. 

Debate com os vereadores

Nori Seto (PP) falou do trabalho da Frente Parlamentar de Acompanhamento da Infraestrutura e da Segurança das Escolas Municipais, criada no fim de abril e presidida por ele. Em resposta ao vereador, Beatriz afirmou que um comportamento agressivo não cessa o “direito constitucional” do aluno à frequência escolar. Sobre a presença da Guarda Municipal ou de seguranças particulares, ela ponderou que o policiamento ostensivo dentro do ambiente escolar, “da escola para dentro, pode gerar uma sensação de insegurança”, ao contrário da presença das forças de segurança do lado externo.

Presidente da Comissão de Educação da CMC, Marcos Vieira (PDT) reforçou a importância da presença dos assistentes sociais e psicólogos nas escolas. “Ele [tais profissionais] vai qualificar o processo de ensino e de aprendizado dentro do ambiente escolar, favorecendo a cultura inclusiva, a cultura de paz e de respeito, vai possibilitar a identificação de uma situação potencial de violência”, reforçou Beatriz.

O presidente Marcelo Fachinello (Pode) falou da importância do trabalho de inteligência. O acionamento do botão do pânico no colégio de Cambé, avaliou, com a chegada dos policiais militares em três minutos, pode ter evitado mais mortes. Em resposta ao vereador, que perguntou sobre quais instrumentos também poderiam ser positivos, Beatriz ponderou que o detector de metais, por exemplo, pode dificultar a evacuação dos alunos numa situação de emergência.

“Sem dúvida, uma medida que nós temos orientado as secretarias de educação é que cada escola verifique suas vulnerabilidades de segurança, assim como quando tivemos a Covid, e que cada escola faça seu protocolo, diante de suas vulnerabilidades de segurança”, complementou ela. Para Bruno Pessuti (Pode), a oradora da Tribuna Livre explicou que existem quatro canais para as denúncias de potenciais ataques: o portal Escola Segura e o Disque 100, ambos do governo federal, as polícias e a Promotoria de Justiça local.

Em resposta à vereadora Amália Tortato (Novo), a promotora indicou que os pais devem monitorar as redes sociais dos filhos e acompanhar quais sites estão sendo acessados. Outro ponto é prestar atenção em mudanças comportamentais e em seu discurso. “Ele tem, sim, que monitorar seus filhos. E até os 18 anos. O Estatuto da Criança e do Adolescente se aplica até os 18 anos”, esclareceu. “O diálogo da família com a escola é muito importante.”

“Educar é também disseminar uma cultura de paz e valorizar habilidades e competências individuais”, concordou Professor Euler (MDB). “É muito mais fácil meu filho ser atropelado que levar um tiro na escola, de um sociopata desses”, comentou Rodrigo Reis (União), para quem haveria um “exagero” na cobertura midiática dos ataques às escolas. A Sargento Tânia Guerreiro (União) ponderou que os atos de violência contra as escolas “são muito bem planejados”. No caso de Cambé, citou ela, o agressor era um ex-aluno que teve a entrada autorizada para retirar um documento. “É um tema latente e mundial”, disse Serginho do Posto (União).

Tribuna Livre

A Tribuna Livre é o espaço democrático de debates mantido pela CMC, para ser o canal de interlocução entre a sociedade e os parlamentares. Os temas em pauta são sugeridos pelos vereadores, que, por meio de um requerimento, indicam uma pessoa ou entidade para discursar e dialogar no plenário. As falas neste espaço podem servir de prestação de contas de uma entidade que recebe recursos públicos, a apresentação de uma campanha de conscientização, a discussão sobre projeto de lei em trâmite na Casa, etc.

Conforme o Regimento Interno (RI) do Legislativo, as Tribunas Livres ocorrem nas quartas-feiras, durante a sessão plenária, após o espaço do pequeno expediente. Se você participa de uma entidade, representa uma causa ou atividade coletiva, entre em contato com um dos vereadores para sugerir a realização da Tribuna Livre. O RI veda a participação de representantes de partidos políticos; candidatos a cargos eletivos; e integrantes de chapas aprovadas em convenção partidária.

As sessões começam às 9 horas e têm transmissão ao vivo pelos canais da Câmara de Curitiba no YouTube, no Facebook e no Twitter. Clique aqui para consultar os temas abordados na Tribuna Livre em 2023.