Reunião debate Religiões de Matriz Africana como Patrimônio Imaterial

por João Cândido Martins | Revisão: Ricardo Marques — publicado 01/03/2024 16h10, última modificação 01/03/2024 16h18
Para a vereadora Giorgia Prates, o reconhecimento oficial dessas religiões teria reflexos positivos no combate ao racismo e à intolerância religiosa.
Reunião debate Religiões de Matriz Africana como Patrimônio Imaterial

Nesta quinta, o projeto de lei que declara as religiões de matriz africana como Patrimônio Imaterial e Cultural do Município foi tema de reunião proposta por Giorgia Prates - Mandata Preta. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)

Nesta quinta (29), a Câmara Municipal promoveu uma reunião pública para debater o projeto de lei que declara as Religiões de Matriz Africana como Patrimônio Imaterial e Cultural do Município de Curitiba. A vereadora Giorgia Prates – Mandata Preta (PT), autora da proposta, esteve à frente do evento que contou com a presença de representantes de terreiros e estudiosos das religiosidades africanas. 

A mesa foi composta por: vereadora Giorgia Prates; Iyagunã Dalzira Maria Aparecida, ialorixá de Candomblé e doutora em educação; Baba Flávio Maciel, coordenador geral do Fórum Paranaense das Religiões de Matriz Africana; Paulo Vinícius Batista, professor, superintendente da Superintendência de Inclusão, Políticas Públicas Afirmativas e Diversidade (Sipad); Loa Campos, coordenadora do Escritório Estadual do Ministério da Cultura em Curitiba; e Fabiana Moro Martins, superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Assista à reunião no Canal da Câmara no Youtube.

Veja as fotos do evento no Flickr da Câmara. 

Sobre o projeto

Giorgia Prates, vereadora autora do projeto que declara as religiões de matriz africana como Patrimônio Imaterial do Município de Curitiba, iniciou sua fala lembrando que esta proposta foi um reflexo da Carta Aberta dos Povos de Terreiro do Paraná, lançada no dia 11 de agosto de 2022 pelo Fórum Paranaense das Religiões de Matriz Africana. “Mas também houve influência das muitas demandas que chegaram ao meu mandato, como, por exemplo, garantia da isenção tributária aos templos de umbanda, na conformidade do texto constitucional; o desenvolvimento de políticas públicas afirmativas voltadas aos povos de matriz africana; a efetivação e ampliação do programa SOS Racismo”. Sobre este tema, Giorgia mencionou o Centro de Referência, criado por sua gestão no ano passado, e que pode fortalecer a atuação do programa SOS Racismo.

Outras situações mencionadas pela vereadora foram: a proposição do entendimento de que, nos crimes de intolerância religiosa e racismo, além da vítima direta, toda a sociedade se torna vítima; e a revisão das leis referentes aos ruídos e ao zoneamento para que as religiões de matrizes africanas possam desenvolver suas atividades. “Reafirmo meu compromisso, não só por ser mulher negra, mas porque o candomblé faz parte do meu cotidiano, e não tem nada que torna uma pessoa mais completa do que exercer a religião de forma digna e livre”, afirmou a vereadora. Ainda sobre o projeto, ela declarou que, no atual estágio, ele ainda pode passar por alterações e, justamente em razão disso, a reunião se fazia importante.

Não houve religião mais massacrada e perseguida”, diz mãe de santo

A mãe de santo Iyagunã Dalzira Maria Aparecida, que defendeu tese de doutorado na UFPR aos 81 anos, em 2022, exaltou a importância do evento e a necessidade de se declarar as Religiões de Matriz Africana como Patrimônio Imaterial da cidade. “Não houve religião mais massacrada e perseguida, e o próprio poder público, muitas vezes, tem uma resistência muito grande em nos respeitar”, disse ela. Para Iyagunã, a partir do momento em que as religiões de matriz afro forem declaradas patrimônios imateriais, vão passar a ter não só visibilidade, mas respeito. “É muito difícil. Nosso tambor incomoda, mas ele deve ser aceito. Ele faz parte, sem ele a gente não consegue professar a religião. Tem a questão ambiental, o uso das folhas, mas elas são importantes no rito do candomblé”, esclareceu a mãe de santo.

Para Loa Campos, coordenadora do Escritório Estadual do Ministério da Cultura em Curitiba, as Religiões de Matriz Africana são referências de identidades, ações e memórias. “O projeto proposto pela vereadora Giorgia reforça a necessidade de se mostrar mais que a gente existe e mudar a imagem equivocada que se tem do estado e da cidade”, disse a coordenadora. Loa aproveitou a reunião ainda para lembrar do início da Conferência Nacional de Cultura, no dia 4 de março

Segurança aos terreiros e às pessoas que os frequentam

Baba Flávio Maciel, coordenador geral do Fórum Paranaense das Religiões de Matriz Africana, acredita que a ideia de declarar as Religiões de Matriz Africana como Patrimônio Imaterial e Cultural da cidade nasce de uma construção coletiva e se configura como um importante fator no combate à intolerância religiosa. Ele lembrou que o Fórum Paranaense de Igrejas de Matriz Africana atua desde 2009 no enfrentamento ao racismo religioso e a toda forma de intolerância religiosa, como a registrada no dia 17 de janeiro de 2024, quando um terreiro foi incendiado no bairro Tatuquara. “O projeto da vereadora Giorgia não só valoriza a cultura das religiões de matriz africana, como reforça a importância da garantia da segurança desses espaços religiosos e das pessoas que os frequentam”, declarou. 

Para Paulo Vinicius Batista, professor, superintendente da Superintendência de Inclusão, Políticas Públicas Afirmativas e Diversidade (Sipad), “o momento é muito especial pelo fato de que a cultura negra em Curitiba passa por um processo de ressignificação por iniciativa de uma vereadora negra que faz uma proposição tão significativa para a cidade”. De acordo com ele, durante décadas houve a construção da mentira de uma Curitiba europeia e branca, ideia que ainda permeia o imaginário de muitas pessoas. “A presença africana em Curitiba é significativa e forte, sendo que as religiões são uma marca dessa presença”, declarou. Batista entende que a aprovação do projeto poderia ter consequência em várias áreas, como ensino religioso, por exemplo. Segundo o professor, existe perseguição e silenciamento aos que propõem inserir elementos de matriz africana nos currículos. “A existência dessa lei seria uma forma de coibir esse tipo de violência, disse o superintendente do Sipad.”

Diretriz do Iphan é dar visibilidade a comunidades tradicionais e a povos originários

Fabiana Moro Martins, superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), explicou que, desde a aprovação da Constituição Federal em 1988, o patrimônio imaterial é protegido como um direito e deve representar todas as culturas. Essa declaração é regulamentada pelo decreto 13.551/2000, que estabelece como deve ser o registro do patrimônio imaterial pelo Iphan. “São quatro livros, cada um abordando um tema: celebrações, lugares, saberes e formas de expressão. Acredito que as Religiões de Matriz Africana se enquadrariam em todos". Ela declarou que a diretriz no Iphan é dar visibilidade a esses patrimônios que não são devidamente valorizados, como os de comunidades tradicionais e de povos originários. Fabiana Moro Martins ainda trouxe informações sobre o pedido de patrimonialização dos cinco exemplares de irocos (árvores de sentido sagrado para as religiões afro) da Praça Tiradentes. De acordo com ela, o pedido foi arquivado pela gestão anterior, mas, com a mudança de governo, o Iphan-PR ingressou com novo pedido de abertura do processo. 

Religiões de Matriz Africana já são Patrimônio Imaterial no Rio de Janeiro

Deise Santos, assessora jurídica da vereadora Giorgia Prates, falou sobre o projeto e sua tramitação. De acordo com ela, o Rio de Janeiro declarou a Umbanda e o Candomblé Patrimônio Imaterial da cidade e, a partir disso, começaram os estudos junto à Fundação Cultural de Curitiba (FCC) no sentido de se fazer o mesmo em Curitiba. “O projeto nasceu como um caminho pra gente trabalhar com a questão da intolerância religiosa e o racismo”, reiterou Deise. A assessora jurídica destacou que o parecer do setor jurídico da Câmara apontou a constitucionalidade da proposta e que o Legislativo tem competência para a proposição da matéria. “Houve uma sugestão para que se incorporasse uma lista das Religiões de Matriz Africana que seriam amparadas pela lei. Inicialmente nossa ideia era descrever de forma genérica para não descartar ninguém, mas acreditamos que alguns exemplos de igrejas incorporados ao texto possam dar mais identificação à proposta”, finalizou.