Resolução 258/2024 do Conanda é debatida na Câmara de Curitiba
As galerias da CMC ficaram repletas de manifestantes contrários à resolução do Conanda. (Fotos: Rodrigo Fonseca/CMC)
Naquela que deve ter sido a Tribuna Livre mais tumultuada da história da Câmara Municipal de Curitiba (CMC), nesta quarta-feira (2), a vice-presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Marina de Pol Poniwas, falou para um plenário hostil à resolução 258/2024 do Conanda e para galerias repletas de manifestantes, majoritariamente pró-vida, que enxergam no conselho um adversário na luta pela proibição do aborto no Brasil.
“A resolução 258/2024 do Conanda não altera nenhuma legislação vigente no país, apenas aponta um fluxo de atendimento para que a criança e o adolescente [vítimas de violência sexual] sejam tratados de forma humanizada e protegida, tendo acesso a todas as opções legais”, disse Marina Poniwas, no início de sua fala. Ela foi convidada pela vereadora Vanda de Assis (PT) para falar na Tribuna Livre, com a aprovação do plenário, sobre a atuação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente na Câmara de Curitiba (076.00009.2025).
Movimento Pró-Vida compareceu para criticar atuação do Conanda
Desde que foi expedida, a resolução 258/2024 do Conanda tem recebido críticas de movimentos pró-vida, que acusam o conselho de não prever limite gestacional para a interrupção de gravidez decorrente de estupro, extrapolação de competência e violação dos direitos dos pais, ao prever hipóteses em que meninas menores de 14 anos poderão optar pelo aborto legal, ainda que sem o consentimento dos responsáveis legais. Esses grupos consideram que, no conjunto das medidas, o Conanda acaba por incentivar o aborto, em detrimento de outras opções, como entregar o bebê para adoção.
Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) à época da resolução 258/2024, Marina Poniwas integra o Conanda como representante da sociedade civil, indicada pelo Conselho Federal de Psicologia. Ela se graduou na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e, desde 2014, é psicóloga no Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), atuando nas áreas de Infância e Juventude, Família e Juizado Especial Criminal. Dos 12 vereadores que fizeram perguntas a ela após sua fala, nenhum manifestou apoio à resolução 258/2024.
Nas galerias, foram seguradas faixas e cartazes dizendo “Aborto é pecado”, “Não ao aborto”, “A favor da vida desde a concepção”, “Aborto aos 9 meses é homicídio”, além de referências a versículos bíblicos. Em menor número, outros manifestantes pediam “Aborto legal já” e “A revolução será feminista”. A maior parte dos vereadores colocou, nas suas próprias bancadas, folhas dizendo “Vida, sim. Aborto, não”. Em diversos momentos, o presidente da CMC, Tico Kuzma (PSD), precisou pedir silêncio e calma aos manifestantes e vereadores.
Vice-presidente do Conanda disse que resolução protege crianças vulneráveis
“A resolução prevê que a criança e o adolescente sejam informados de todas as opções legais disponíveis, que existem outras que não são o aborto, como a entrega voluntária para adoção, para a família extensa. São várias as possibilidades”, explicou Marina Poniwas, que buscou, reiteradamente, pontuar que também não se trata de impor a entrega para adoção, para que “não naturalize o processo de violência em gestação”. “O fluxo [da resolução 258/2024] faz a escuta ativa dessas crianças que foram brutalmente violentadas”, defendeu.
Sobre o respeito aos pais, a convidada da Tribuna Livre afirmou que a autonomia citada na resolução “não é plena”, que ela “é progressiva, construída a partir de seu desenvolvimento”. Marina Poniwas ponderou que o poder familiar não deve ser utilizado para desproteger crianças e adolescentes, acrescentando que “há situações em que a violência acontece dentro de casa e que essa criança e esse adolescente precisam ser protegidos, inclusive, desses responsáveis legais”. “É uma temática complexa e sensível”, concordou.
“A gravidez em crianças é sempre considerada de alto risco por fatores biológicos e sociais. Elas têm maior probabilidade de morrer e sofrer consequências de saúde mental”, argumentou a vice-presidente do Conanda. Ela enfatizou que se trata de uma resolução, infralegal, por isso discorda que o conselho esteja “legislando” a respeito do tema. “Não é uma ‘cultura da morte’, como tentam colocar, mas uma cultura da proteção integral de crianças e adolescentes”, rebateu Marina Poniwas, que pediu ajuda dos vereadores para endurecer as punições contra os estupradores.
Abortista, massacre, vergonha: veja as críticas dos vereadores à Tribuna Livre
Dando o tom do que seria a manhã na Câmara de Curitiba, a sessão plenária desta quarta-feira começou com Bruno Secco (PMB) dizendo que não aceitaria “abortista falando groselha”. Para Eder Borges (PL), o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente “não tem moral para definir a vida das crianças” e que era uma “vergonha” a CMC promover uma Tribuna Livre sobre a atuação do conselho. Guilherme Kilter (Novo) comparou a resolução 258/2024 ao culto ao deus antigo Moloch, para quem eram oferecidos sacrifícios de crianças.
A Delegada Tathiana Guzella (União) foi contra desconsiderar a opinião dos pais na tomada de decisão sobre a gravidez de crianças e adolescentes vítimas de estupro. Rodrigo Marcial (Novo) foi o primeiro a verbalizar um pedido de punição maior para quem comete violência sexual contra crianças e adolescentes e disse que o aborto legal, mesmo nesses casos, seria “usar uma atrocidade para corrigir outra atrocidade”. Depois, Fernando Klinger (PL) enfatizou esse argumento e disse que o Estado deveria cessar com políticas públicas que destroem famílias.
Falando para as pessoas em plenário, Da Costa (União) disse que “a esquerda tem surpreendido o próprio Satanás”. “Logo estaremos recebendo [na Tribuna Livre] integrantes do PCC e homens para defender o feminicídio”, ironizou o parlamentar, afirmando que, enquanto “nós, vereadores de direita, estivermos aqui, nós seremos as vozes dos que não podem gritar”. Carlise Kwiatkowski (PL) cobrou que a Câmara “analise melhor as Tribunas Livre” e acusou o Conanda de “querer ocupar o lugar dos legisladores”.
“A resolução do Conanda não é a solução para a violência sexual contra crianças e adolescentes”, posicionou-se Meri Martins (Republicanos), que defendeu a entrega dos bebês para adoção como uma medida mais adequada que o aborto legal para esses casos. “Estão escondendo uma mentira entre duas verdades. A esquerda global quer o controle da natalidade”, falou, na sequência, Olimpio Araujo Junior (PL). Assim como Martins, ele também tem filhos adotados e disse que essa seria a melhor alternativa. Numa fala pró-vida, Bruno Rossi (Agir) disse que os vereadores cristãos não podem abandonar os seus princípios.
Para Indiara Barbosa, a presença de pessoas na Câmara de Curitiba demonstrou que a maioria da opinião pública brasileira é contra o aborto, engrossando o coro por punições mais severas contras os estupradores, como a castração química. Ela apoiou uma fala anterior de Kwiatkowski, cobrando da vice-presidente do Conanda uma censura pública ao ex-ministro Silvio Almeida, afastado do Governo Federal após denúncia de assédio. A Tribuna Livre foi encerrada, após uma prorrogação, sem que cinco vereadores inscritos tivessem se dirigido à convidada.
Ao final, o presidente da CMC, Tico Kuzma (PSD), anunciou que outra Tribuna Livre será realizada, em data futura, para os vereadores ouvirem o padre Silvio Roberto, da Casa Pró-Vida.
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