Especialistas debatem falta de vagas na educação infantil em Curitiba

por Pedritta Marihá Garcia — publicado 01/06/2021 15h44, última modificação 01/06/2021 15h44
Audiência pública realizada na CMC no dia 28 de maio foi focada no acesso à educação infantil e cumprimento de metas dos planos nacional e municipal de educação.
Especialistas debatem falta de vagas na educação infantil em Curitiba

O debate foi transmitido pelas redes sociais da CMC e está disponível, na íntegra, no nosso canal do YouTube. (Foto: Carlos Costa/CMC)

“A educação infantil é a única etapa em que não é possível que a gente recupere e ofereça para as crianças em outro momento da vida. Se as crianças não tiverem acesso à educação infantil no presente, no momento em que elas tiverem idade de frequência, elas não terão direito em outro momento, porque a educação infantil é determinada pela idade da criança.” A frase, da professora e doutora em Estudos da Criança pela UFPR, Angela Scalabrin Coutinho, ilustra a temática da audiência pública realizada na Câmara Municipal de Curitiba (CMC) na última sexta-feira, 28 de maio. Ela e outros especialistas da área analisaram as dificuldades do acesso de bebês e crianças até 5 anos à educação pública na capital.   

Com foco na meta 1 do PME - Plano Municipal de Educação (lei municipal 14.681/2015[P1] ), que prevê, em Curitiba, a universalização do acesso à pré-escola (para crianças de 4 a 5 anos), mas também do acesso à creche (para 0 a 3 anos), preferencialmente na rede pública, o debate foi coordenado de forma conjunta pelas vereadoras Carol Dartora e Professora Josete, ambas do PT. Na oportunidade, as parlamentares e convidados corroboraram da necessidade de fazer com que o Estado cumpra o dever de garantir uma educação infantil de qualidade e pública, para as crianças, que têm esse direito preservado na Constituição Federal.

“A educação infantil, a educação básica também é um direito das mulheres. A gente percebe esse direito sendo atacado, em todo momento de retrocesso político os primeiros direitos que são atacados são os das mulheres. A educação infantil se trata do direitos das mulheres, das mulheres trabalhadoras, que precisam garantir segurança e qualidade de educação para seus filhos”, refletiu Carol Dartora, logo na abertura da audiência pública.

Amália Tortato (Novo), que acompanhou toda a discussão, concordou com a vereadora, ao exemplificar que, “normalmente quem sai do mercadod e trabalho para cuidar da criança em casa é a mãe”. “A luta [pelo acesso à educação também] é das mulheres, principalmente das mulheres de baixa renda, [pois] se a mulher tiver no mercado de trabalho, haverá um incremento na renda familiar”. Segundo Angela Coutinho, a busca por esse direito passa não só pelas mães, mas também pelas próprias crianças, “que têm cidadania desde quando nascem, com direitos previstos como prioritários na sociedade”.

Porém, continuou a especialista em Políticas para Crianças, quanto menor é a criança, menos políticas públicas existem e, por consequência, menor é a valorização deste direito. “Quanto menor a criança, menor é o status social de quem trabalha com ela, menor é o salário das professoras que atuam com essas crianças e menores são as condições de oferta desta educação infantil. Então é fundamental entendermos que todas as crianças, desde bebês, têm os mesmos direitos ao acesso à educação infantil, de qualidade, e são cidadãs e sujeitos públicos.”

Para embasar esse argumento, Angela Coutinho, que é do Fórum da Educação Infantil do Paraná (Feipar), resgatou dados do Censo Escolar de 2019 de Curitiba, que revelam que apenas 33.042 crianças de 0 a 3 anos – de uma projeção populacional de 94,3 mil para 2017 – estavam matriculadas na rede de educação da capital (sendo 50,5% das vagas em rede pública e 49,5% na privada). Ao fazer este recorte na rede municipal, a deficiência de acesso ainda é mais latente: apenas 0,3% dos bebês até 1 ano; 18% dos bebês de 1 ano; 34% das crianças de 2 anos; e 48% das crianças de 3 anos foram atendidas naquele ano. “Quanto menores as crianças, mais excluídas estão das políticas públicas educacionais de Curitiba”, completou.

Após reforçar que mães e crianças precisam desses espaços públicos de “compartilhamento”, que são as creches e pré-escolas, a pesquisadora alertou para outro problema da educação infantil pública de Curitiba. A desigualdade ultrapassa a idade dos pequenos, chegando à distribuição territorial. Conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a capital tem 55 áreas de ponderação, com características aproximadas em relação aos grupos populacionais e condições de infraestrutura de vida das pessoas. Em 31 dessas áreas, faltam vagas para crianças abaixo dos 12 meses de vida; em 13 delas, faltam vagas para bebês a partir de 1 ano; já quando se trata de crianças de 2 anos, faltam vagas em 11 áreas de ponderação; e quando se trata de crianças de 3 anos, há falta de vagas em 10 áreas.

“Curitiba tem uma área significativa de crianças de 0 a 3 anos que se encontram em regiões com condições bastante precárias (moradia, renda per capita e ocupação da mãe que é responsável pelo domicílio). As bordas do município, sobretudo da região sul, são as mais afetadas em questão de desigualdade. E quanto mais para o miolo [centro], ou subindo ao norte, as condições ficam um pouco melhores”, resumiu Angela Coutinho.

Universalização da pré-escola
Barbara Taporosky, graduada em Direito, mestre e doutoranda em Educação pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) citou as leis em vigor no país – entre elas o Plano Nacional de Educação (lei federal 13.005/2014) e o Marco Legal da Primeira Infância (lei federal 13.257/2016) – que garante o acesso à educação infantil como direito das crianças de 0 a 5 anos e como dever do Estado, inclusive prevendo a universalização do acesso à pré-escola (4 a 5 anos) e a expansão com qualidade de oferta de vagas.

“Temos ampla legislação no Brasil e em Curitiba, que assegura a educação como direito não apenas da família, das mães trabalhadoras, mas como direito da criança. A educação para 4 ou 5 anos é reconhecida como direito público subjetivo, que é a possibilidade de que o cidadão exija seu cumprimento perante os responsáveis. O Estado então, tem o dever de ofertar vagas, para que essas crianças sejam matriculadas. [...] A legislação brasileira confere a criança de 0 a 5 anos absoluta prioridade na proteção dos seus direitos, dentro os quais está o direito à educação infantil. Esse direito configura em dever do Estado e direito da criança, não podendo a administração pública se eximir do seu cumprimento. Esse direito pode ser exigido pelo indivíduo e exigido pela sociedade”, observou a especialista.

No entanto, ao buscar a universalização da pré-escola prevista no PME e no PNE, Curitiba tem deixado de lado a ampliação de vagas nas creches, contrariando suas próprias metas. Márcia Barbosa Soczek, doutora em Política Educacionais e também membro do Feipar, informou, através de levantamento próprio do fórum, que a cidade reduziu significativamente o número de matrículas para 0 a 3 anos nos últimos anos – de 24.055 vagas em 2015, para 13.405 vagas em 2018 – ao passo que aumentaram as vagas na pré-escola – de 11.696 matrículas em 2015 para 23.376 matrículas em 2018.

“Em determinando momento, em 2015, houve um decréscimo de matrículas na creche, que é o ano de implantação da obrigatoriedade [de matrículas, por parte dos pais, para crianças de 4 e 5 anos]. Para atender a obrigatoriedade prevista no PME, optou-se por não abrir vagas em berçários. Por isso esse número, que já era reduzido, ficou cada vez mais reduzido”, complementou Márcia Soczek. Na avaliação de Bruno Müller Silva, defensor público estadual e coordenador do Núcleo Especializado da Infância e Juventude (NUDIJ), essa realidade deveria ser diferente porque “a educação infantil é a etapa da educação mais importante de todas”.  

“Por que na disputa orçamentária, de dinheiro, de verba, aquela fatia do dinheiro deve ir para asfalto ou deve ir para a construção de um centro municipal de educação infantil? A pergunta é muito pertinente e a resposta me parece que é óbvia e gostaria que fosse óbvia para todo mundo”, continuou o defensor público, ao observar que, no ensino fundamental e médio o acesso é universalizado, mas que na educação infantil, mesmo também sendo um dever do Estado, faltam vagas tanto para a faixa dos 0 a 3 anos (que não é obrigatória para os pais), quanto para a faixa etária dos 4 e 5 anos. “Em 2018, 3% das crianças de 0 a 1 ano da região Norte frequentavam a educação infantil. Na região Sul, era 21%. Ainda que seja um número muito maior que da região Norte, ainda é muito baixo, muito pouco”, constatou Bruno Müller.

Na avaliação do Feipar, a não obrigatoriedade de matrícula de 0 a 3 anos respeita o direito de escolha dos pais, mas não pode significar o mascaramento da demanda por vagas na rede municipal de ensino. “O que defendemos é acesso público e transparente da vagas nas creches de Curitiba; e a oferta de vagas para todas as crianças”, referendou Angela Coutinho. “Curitiba não tem sido aberta junto às discussões da cidade. Acesso à educação infantil é anterior à pandemia e mais visivelmente vem impactando não só ao direito das mulheres, mas ao direito da criança”, frisou Daniele Marques Vieira, também representante do Feipar (Fórum de Educação Infantil do Paraná) e que coordenou os trabalhos da audiência pública.

“No final do dia, não importa para a população quem estará oferencendo esse serviço. Não precisa ser necessariamente um serviço estatal, público sim, mas não estatal. Curitiba tem feito isso com as creches conveniadas. Esperamos que a universalização deste acesso seja atingida”, disse Amália Tortato, contribuindo com a discussão. Já para Professora Josete, o debate, que começou na CMC, precisa ser ampliado. “Como professora da rede pública, sempre enfatizo a importância da educação pública, gratuita, universal e laica para todos. Concordo que hoje, os CEIs conveniados têm papel importante na cidade, porque o município não atende a demanda. [Mas houve] a redução de repasse de recursos para os CEIs, o que dificultado o trabalho delas.”

Também participaram do debate os vereadores Toninho da Farmácia (DEM) e Marcos Vieira (PDT). A audiência pública foi transmitida ao vivo pelas redes sociais e está disponível no canal do YouTube da CMC, na íntegra. Para saber mais sobre as audiências públicas já realizadas pela CMC em 2021, clique aqui.