Contra racismo no esporte, Câmara aprova Política Vini Jr. em Curitiba

por Fernanda Foggiato | Revisão: Ricardo Marques — publicado 20/11/2023 15h00, última modificação 21/11/2023 13h21
Criação da Política Municipal Vini Jr., contra o racismo nos estádios, foi aprovada pela CMC no Dia da Consciência Negra, em 1º turno.
Contra racismo no esporte, Câmara aprova Política Vini Jr. em Curitiba

Da esquerda para a direita, Herivelto Oliveira, Giorgia Prates e Professor Euler, autores do projeto de lei. (Foto: Carlos Costa/CMC)

A Câmara Municipal de Curitiba (CMC) aprovou em primeiro turno, na manhã desta segunda-feira (20), a criação da Política Vini Jr., um protocolo de combate ao racismo, à discriminação racial e a outras formas de intolerância étnica nos estádios, ginásios e arenas esportivas da cidade. O projeto de lei entrou na pauta de votações do plenário justamente no Dia da Consciência Negra, data celebrada em 20 de novembro. Os três vereadores que assinam a proposta são Giorgia Prates - Mandata Preta (PT), Herivelto Oliveira (Cidadania) e Professor Euler (MDB). 

Apresentada em junho deste ano, a iniciativa recebeu o nome de Política Municipal Vini Jr. em solidariedade ao jogador Vinicius Junior, da Seleção Brasileira e do Real Madrid, alvo de insultos racistas no Campeonato Espanhol. Com 29 votos positivos e 1 contrário, o projeto retorna à ordem do dia, na sessão desta terça-feira (21), para a segunda votação. Se confirmada pelo plenário, a proposição será encaminhada para a análise do Executivo, a quem caberá sancionar ou vetar a lei. 

Conforme o projeto, os estádios, públicos ou privados, deverão estabelecer um protocolo de combate ao racismo. O rito prevê que qualquer cidadão possa denunciar ter sofrido ou presenciado uma conduta racista às autoridades presentes no local, como a policiais civis ou militares, bombeiros civis ou militares, guardas municipais ou seguranças particulares. 

Em seguida, caberia à autoridade que recebeu a denúncia dar ciência imediata do caso ao plantão do Juizado do Torcedor, ao delegado da partida, quando houver, ou à Delegacia de Polícia Civil mais próxima. O caso também seria relatado à Comissão de Direitos Humanos, Defesa da Cidadania, Segurança Pública e Minorias da Câmara de Curitiba e à Assessoria de Direitos Humanos e Promoção da Igualdade Étnico-Racial da Prefeitura de Curitiba.

O protocolo prevê, ainda, a possibilidade de o evento esportivo ser interrompido, pelo tempo que for necessário, caso seja registrada uma conduta racista. Além disso, a Política Municipal Vini Jr. trata da divulgação, nos estádios, de campanhas educativas sobre o combate ao racismo, dos canais oficiais para o público realizar a denúncia e das políticas públicas para o suporte às vítimas (005.00119.2023, com a emenda 034.00081.2023, para ajustes técnicos no texto). Se a lei for sancionada pelo prefeito, entrará em vigor 30 dias após a publicação no Diário Oficial do Município (DOM).  

Celebrado nesta segunda, o Dia da Consciência Negra não é feriado nacional e tem expediente normal na CMC. Os vereadores aprovaram a criação do feriado em Curitiba, mas a lei municipal 14.224/2013 foi suspensa pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), que acatou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada pela Associação Comercial do Paraná (ACP) e pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil no Paraná (Sinduscon). A Casa recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), que manteve a decisão

Autores do projeto de lei defendem a Política Vini Jr.

“O esporte, que deveria ser um espaço de igualdade e inclusão, ainda enfrenta, sim, vários problemas relacionados à discriminação racial”, disse Giorgia Prates. “Os atos vão desde ofensas verbais, como chamar a outra pessoa de macaco, a atitudes depreciativas, como atirar bananas para dentro do campo, onde estão os jogadores e os atletas, até atos mais graves, como a depredação de bens pessoais e ameaças físicas”, explicou. A vereadora pontuou que o crime de racismo não é praticado apenas por torcedores, mas também entre os próprios atletas e por treinadores, por exemplo.

Por que Vini Jr.? O Vini Jr. sofreu várias situações de racismo jogando hoje na Espanha. As ocorrências explodiram a partir de 2021”, continuou Prates sobre a importância do nome do projeto de lei. A vereadora exibiu trechos de reportagens sobre casos de racismo contra o jogador da Seleção Brasileira e do Real Madrid, durante partidas de futebol no Brasil e mesmo em outros esportes. “As denúncias seguem aumentando, infelizmente. [...] Nós temos, sim, que dar um basta, encorajar as pessoas a denunciar o racismo, que é crime.”

“Infelizmente, nós temos que ter esta discussão em pleno século 21”, pontuou Herivelto Oliveira. O vereador falou do destaque do protagonismo dos atletas negros do Brasil. “O esporte é o espaço em que nós temos mais negros no país. [...] Nós não estamos falando só de futebol”, afirmou. “As pessoas que têm ainda essa questão de racismo, elas devem ser apartadas do convívio social porque elas não têm a maturidade para entender que somos todos iguais.”

O coautor apresentou levantamento sobre a representatividade da população negra a partir das entrevistas feitas pelo Jornal Nacional, da Rede Globo, ao longo de oito meses. “Nós temos um país hoje com 56% de população negra e parda e esses 56%, de população negra e parda, foram representados com 15% de entrevistados no maior jornal brasileiro”, alertou.

“A má índole, associada à falta de educação, leva ao racismo. [...] E o racismo tem que ser combatido por meio de medidas educacionais, e é basicamente isto que a gente tenta hoje, com este projeto”, defendeu Professor Euler. O vereador defendeu que a promoção da campanha educativa nas arenas é uma “excelente oportunidade” de transmitir a mensagem antirracista a milhares de pessoas. “Os estádios são um pequeno espectro da sociedade, aquilo que acontece nos estádios, acontece fora deles”, justificou.

O coautor também salientou que, confirmada a aprovação e sancionada a lei, também caberá à CMC, por meio da Comissão de Direitos Humanos, fiscalizar se o protocolo está sendo cumprido. “Não no sentido para punir o estádio ou o clube que não está cumprindo [a lei], mas para orientar”, comentou. “Até para que, num caso extremo de racismo comprovado, que se possa paralisar o espetáculo, paralisar a partida de futebol, para que no telão, nos alto-falantes seja feita uma comunicação sobre o que está acontecendo e aquele ato racista seja extirpado na origem.”

Vereadores de Curitiba falam do combate ao racismo

“O racismo é crime, tem que ser punido com o rigor da lei”, disse o líder do governo na Câmara de Curitiba, Tico Kuzma (PSD). Para ele, realizar a votação justamente no Dia da Consciência Negra permite que o debate e a reflexão sobre o tema sejam levados para a população. “É importante a iniciativa, que nos consigamos mudar essa educação das pessoas, essa cultura.”

Pier Petruzziello (PP) criticou a cobertura de jornais espanhóis sobre o caso Vini Jr. As equipes Coritiba e Athletico Paranaense, citou, expulsaram torcedores flagrados em episódios racistas de seus quadros de sócios. “Nós não podemos passar pano em racistas”, defendeu. “Os clubes punem. Porém, a Justiça tem que punir também. Punir severamente”, complementou Sidnei Toaldo (Patriota).

“É preciso que a gente pense que o fim do racismo, da violência nos estádios, começa nas escolas”, argumentou Maria Leticia (PV). Ela também falou do assédio às torcedoras nos estádios, tema de projeto de lei de sua autoria, em debate nas comissões temáticas da Casa. Rodrigo Reis (União) comentou que os telões do estádio Ligga Arena, do Athletico, já possuem comunicação contra o racismo. “Nós temos que combater o racismo diariamente”, disse ele. O vereador ainda discordou da fala sobre o assédio nos jogos de futebol.

“Nós, brancos, temos que estar juntos nesta luta. Nós não podemos permitir o silenciamento das pessoas negras”, continuou Professora Josete (PT). “Leis para combater o racismo nós temos várias”, observou Indiara Barbosa (Novo), para quem “o que nós, vereadores, temos que fazer, acima de tudo, é fiscalizar” a execução dessas normas, como o Plano Municipal de Igualdade Étnico-Racial.

Serginho do Posto (União) avaliou que uma eventual paralisação da partida, em caso de racismo, será favorável contra a “crescente onda” que impacta os atletas. Para Noemia Rocha (MDB), faltam “Deus na vida dessas pessoas” racistas e o resgate de valores no núcleo familiar. Os estádios, defendeu Marcos Vieira (PDT), devem ser espaços “de festa e de respeito”. Oscalino do Povo (PP) citou evento da Prefeitura de Curitiba, no último sábado (18), pelo Dia da Consciência Negra.

Único vereador a votar contra o projeto de lei, Eder Borges (PP) justificou o posicionamento. “Primeiro, penso que não deveria existir o tal Dia da Consciência Negra [...]. O Brasil é um país mestiço”, opinou. A pauta racial, em sua avaliação, “está superada”, à exceção de “fatos pontuais, que são devidamente repudiados nesta Casa”. Na sequência, Giorgia Prates, Professor Euler e Professora Josete rebateram as declarações.