Conselho e Casa de Acolhimento são pedidos LGBTQIA+ para Curitiba

por José Lázaro Jr. | Revisão: Vanusa Paiva — publicado 22/05/2022 15h25, última modificação 23/05/2022 13h10
Atividade da Comissão de Direitos Humanos ouviu diversas lideranças do movimento.
Conselho e Casa de Acolhimento são pedidos LGBTQIA+ para Curitiba

Audiência reuniu demandas da população LGBTQIA+ para a cidade de Curitiba. (Foto: Carlos Costa/CMC)

A criação de um Conselho Municipal e de uma Casa de Acolhimento específicos para a população LGBTQIA+ foram as demandas apresentadas pelos movimentos sociais, na Câmara Municipal de Curitiba (CMC), na última sexta-feira (20), durante uma audiência pública no Palácio Rio Branco. A atividade foi promovida pela Comissão de Direitos Humanos, Defesa da Cidadania e Segurança Pública, em alusão ao 17 de maio, quando é celebrado internacionalmente o Dia Contra a LGBTfobia.

Realizada como um painel, para ouvir o maior número possível de lideranças do movimento LGBT, a audiência pública foi coordenada pelo Jornalista Márcio Barros (PSD) e por Carol Dartora (PT), respectivamente presidente e vice da Comissão de Direitos Humanos da CMC. Maria Leticia (PV) e Professora Josete (PT) compareceram à atividade. “A gente não quer destruir a família de ninguém, que é do que nos acusam. Somos 10% da população curitibana e queremos ser tratados como cidadãos. Da comunidade [de jovens LGBT] nas escolas, 73% sofrem bullying e 36% apanham”, denunciou Toni Reis, presidente da Aliança Nacional LGBTI+.

“A pessoa que sofre bullying desiste [de aprender] e a educação é muito importante na vida. Não queremos doutrinação, só que aprendam a nos respeitar [no ambiente escolar], que aprendam a Declaração dos Direitos Humanos e a Constituição, que diz serem todos iguais perante a lei. Precisamos de um Conselho Municipal, no qual a gente trabalhe junto, para trazer demandas, receber denúncias e propor ações”, resumiu Toni Reis. Pioneiro nas lutas pelos direitos LGBT no país, ele disse que “em 38 anos de luta pelos direitos humanos vejo que estamos evoluindo”.

A audiência contou com representantes do Governo do Paraná (Ana Felícia Bodstein de Freitas, da Secretaria de Estado da Justiça, Família e Trabalho; e Denis Denilto, da Superintendência de Diálogo e Interação Social) e da Prefeitura de Curitiba (Tatiana Possa Schafachek, da Fundação de Ação Social; Edson Bueno, da Fundação Cultural de Curitiba; e Fernando Roberto Ruthes, assessor de Direitos Humanos e Diversidade Sexual). Nas suas falas, eles se colocaram à disposição dos movimentos sociais e reforçaram o entendimento de que é preciso que o respeito e a dignidade sejam fios condutores das políticas públicas.

Durante a audiência, a Comissão de Direitos Humanos entregou uma moção de solidariedade a Murilo e Diego Xavier, casal que, por ter estrelado campanha publicitária do Volkswagen Polo passou a receber ameaças lgbtfóbicas nas redes sociais e ofensas em espaços públicos. “A Comissão lamenta o preconceito e se coloca à disposição, em total apoio a vocês”, disse Márcio Barros. “Mexeu com um, mexeu com todos”, disse Diego Xavier, que se viu obrigado a dividir o tempo de militância na Aliança LGBTI+ com idas à Polícia Civil para denunciar os ataques. Durante a audiência, foi assinalado que um Boletim de Ocorrência por homofobia é registrado a cada 37 horas em Curitiba.

Conselho Municipal
Enviado ao Legislativo em março deste ano, o projeto da Prefeitura de Curitiba que cria o Conselho Municipal da Diversidade Sexual está tramitando pelas comissões temáticas da CMC e só depois será submetido ao plenário (005.00064.2022). O fato foi destacado pelo representante do Executivo, Fernando Ruthes, que pediu a mobilização das entidades presentes à audiência pública no acompanhamento da proposição no Legislativo. 

No âmbito do debate da Casa de Acolhimento, Lucas Siqueira, diretor de Relações com a Comunidade do Grupo Dignidade, insistiu que políticas públicas que direcionam orçamento público para enfrentar vulnerabilidades sociais dependem de dados. Só que por estarem de fora do Censo IBGE, por exemplo, o diagnóstico é prejudicado. “Ninguém pergunta nossa sexualidade na hora de pagar impostos. Só que se não estamos no IBGE, o Estado está dizendo que não existimos, mas nós existimos”, protestou.

Naomi Helena de Santana, do Coletivo Cássia, acrescentou que, além da ausência de dados, os serviços públicos para a população LGBT são afetados por outras dificuldades, como no acesso da sociedade civil organizada a questões técnicas e como vereadores com atitude lgbtfóbica que não são levados a responder por isso. Mateus Cesar, do Grupo Dignidade, afirmou que esses obstáculos contribuem para que a população “tenha direitos no papel”. 

Um dos exemplos dados na audiência foi a falta de programas ambulatoriais na Saúde para a população trans, que seria uma das negligências nas políticas de gênero. Um dos argumentos pró-conselho, levantado por Lucas Franceschi, do Advocacy da Aliança LGBTI, é que um espaço para discussão da transversalidade das políticas públicas traria mais qualidade às políticas públicas, “para que elas cheguem aonde se precisa”.

Casa de Acolhimento
Desde o ano passado, quando a criação de uma Casa de Acolhimento para a população LGBTQIA+ foi a tônica da audiência pública, resultando em uma petição da Comissão de Direitos Humanos ao Executivo pela efetivação dessa política pública, a demanda não foi atendida. Agora, David Antunes, da Aliança LGBTI anunciou a coleta de assinaturas em um abaixo-assinado em prol da efetivação da casa em Curitiba. 

Ele e outros membros reiteraram que é importante ter um local preparado para receber, por exemplo, jovens expulsos de casa por famílias incapazes de acolher filhos com expressão sexual própria. Conselheiro tutelar, Diegos Gomes foi uma das vozes que destacou na sua fala a necessidade da Casa de Acolhimento. Ele pediu a criação de um comitê com as entidades e lideranças presentes na audiência para unificar o discurso e as ações visando à conquista do equipamento público.

Leis municipais
Participando da audiência, Carol Dartora antecipou um tema que reverberaria depois nas falas dos movimentos sociais, que é a falta de empatia do Poder Legislativo com as pautas vindas do movimento social. “Muitos projetos [em tramitação] têm ataques à pauta LGBTQIA+”, disse citando a proibição de banheiro unissex em Curitiba. “É preciso desconstruir o espaço do Legislativo como lugares de repercussão da opressão”, disse.

Alinhado em pensamento, Rafael Osvaldo Moro, do Ministério Público do Paraná, disse que os vereadores de Curitiba deveriam cumprir o Regimento Interno da CMC, que diz ser dever fundamental do vereador prestar solidariedade política às pessoas em situação de vulnerabilidade. “Não se quer privilégio [para a população LGBTQIA+], só que para garantir direitos às vezes são necessárias medidas específicas”, justificou, dizendo que não faz sentido a Câmara de Curitiba discutir marcos protetivos já concedidos em níveis superiores da Justiça.

“De onde vieram essas decisões [favoráveis]? Vieram do Poder Judiciário, provocadas por nós. O que acontece com o Legislativo que não legisla a nosso favor?”, questionou a advogada Gisele Schimidt. Ela e Amanda Anderson, do PDT Diversidade, cujas histórias de protagonismo foram relatadas em plenário denunciaram a inércia do Legislativo. “Estamos cansados de resistir, queremos de fato existir, queremos compor de pleno direito à sociedade brasileira da qual somos filhos”, disse Amanda. 

“Temos decisões do STF, não temos políticas públicas”, confirmou Carol Nascimento, ouvidora da Defensoria Pública. Para Daniel Alves Pereira, membro da Defensoria Pública, a CMC precisa consultar e ouvir mais o órgão durante a decisão de projetos que ameaçam direitos. Já Rafael Kirchhoff sugeriu que o movimento defina os projetos positivos, como o do livre uso do nome social em ambientes públicos e o do Dia de Combate ao Lesbocídio, e apoie a tramitação deles.