CMC homenageia Magó e motorista; alerta a mulheres da periferia

por Assessoria Comunicação publicado 10/03/2020 13h45, última modificação 19/11/2021 07h38

A Câmara Municipal de Curitiba (CMC) retomou, nesta terça-feira (10), debates alusivos ao Dia Internacional da Mulher, celebrado no último domingo (8). Além de homenagens a motorista de ônibus da capital e de alerta de vereador à “dignidade” das moradoras de bairros da periferia, o plenário aprovou a denominação de jardinete, no Fazendinha, como Maria Glória Poltronieri Borges, a Magó, vítima de feminicídio. Bailarina, produtora de dança e de teatro, ela foi estrangulada e estuprada em uma cachoeira, no dia 25 de janeiro, em Mandaguari, norte do Paraná.

Proposta por Maria Leticia (PV), a denominação em homenagem a Magó entrou na pauta em regime de urgência, apoiado por diversos vereadores, e foi aprovada em primeiro turno unânime, com 23 votos (008.00001.2020). “É uma homenagem simbólica à Magó, mas sobretudo é uma forma da gente continuar enfrentando a violência covarde, desumana, contra todas as mulheres”, justificou a autora. “Estamos vivendo uma crise ímpar do crime contra a mulher.” O jardinete, avaliou, poderá ser “símbolo de luta e resistência”.

“Como médica legista há mais de 20 anos, foi um crime de feminicídio, logo no início da carreira, que marcou minha trajetória e me fez querer lutar pelos direitos das mulheres”, pontuou Maria Leticia. O Brasil, segundo ela, “é um dos países com maior índice de feminicídio do mundo”. Ainda conforme dados apresentados pela vereadora, o Paraná registrou, nos primeiros meses de 2020, 47 casos. Em 2018 e 2019, foram investigados, respectivamente, 168 e 177 assassinatos de mulheres. “Em Curitiba, entre 2018 e 2019, foram 19 crimes investigados em cada ano. Já em 2020, só nos primeiros meses, já foram investigados 7 casos de feminicídio na cidade.”

A CMC ouviu o pai de Magó, Maurício Borges. Ele contou que era comemorado, em 25 de janeiro, o Dia de São Sebastião, sincretizado, nas religiões de matriz africana, ao orixá Oxóssi, “o protetor das matas”. “Ela tinha ido lá na cachoeira se conectar com a natureza, se conectar com a vida, rezar. Infelizmente, no final daquela linda tarde, se deparou com seu maior demônio”, relatou. Ele agradeceu manifestações de solidariedade feitas em diversas cidades brasileiras e em outros países, como Santiago, no Chile.

Os homens, avaliou, “deveriam ter vergonha” dos índices de feminicídio”. “A Magó sempre foi uma feminista conciliadora”, continuou Borges. “Este meu trabalho [de combate à violência contra a mulher] nunca mais vai parar. Quero chegar um dia onde eu e minha mulher não sejamos penalizados por ter deixado minha filha ir sozinha à cachoeira. Quero chegar um dia em que toda mulher seja livre para fazer o que bem entender. Em que todas as mulheres não dependam de casar com um homem para ter vida. Que possam escolher a profissão que bem entender. Este é o legado da Magó. Nenhum a menos, Magó presente”, concluiu.

Diversos vereadores se manifestaram, em apoio à proposição e em solidariedade à família e amigos de Magó. “Quando temos denominações de logradouros públicos, sempre tem uma razão de ser. A questão do feminicídio é uma questão dramática no Brasil”, disse a procuradora da Mulher na CMC, Julieta Reis (DEM). A ideia, adiantou ela, é que as Procuradorias da Mulher dos Legislativos municipal e estadual desenvolvam atividades conjuntas, em sintonia com as redes de proteção à mulher.

“Ainda temos que avançar muito. Há sempre a culpabilização da mulher ou da família da mulher. Ninguém questiona o porquê da violência contra a mulher, por que existem ainda agressores, homens que estupram, que matam”, declarou Professora Josete (PT). “E para isso temos que fazer o debate de gênero nas escolas. Temos que fazer a formação de professores e professoras.” “Estamos no século 21 debatendo a valorização mulher. Isso é inconcebível”, afirmou Noemia Rocha (MDB).

O repúdio ao feminicídio, opinou Pier Petruzziello (PTB), não é uma pauta de centro, esquerda ou direita, mas “humanitária”. Para Bruno Pessuti (PSD), “devemos sim repensar nossas leis, que devem punir com mais rigor”. Na mesma linha, Dalton Borba (PDT) avaliou que “o sistema penal brasileiro tem uma complacência muito grande com aquele que pratica crimes”. Também participaram do debate os vereadores Edson do Parolin (PSDB), Maria Manfron (PP), Professor Silberto (MDB) e Tico Kuzma (Pros).

“Lei Salete”
Ainda no início da sessão plenária, Professor Euler (PSD) e Rogério Campos (PSC) entregaram votos de congratulações e louvor a Salete Romeire Kintope, motorista do transporte coletivo da capital há 15 anos (077.00031.2020). No dia 23 de janeiro, ela se recusou a seguir viagem, na saída do Terminal Campina do Siqueira, enquanto os assentos preferenciais não fossem cedidos a idosos em pé. Uma passageira, a auxiliar de enfermagem Bárbara Christiane de Andrade, pediu autorização para divulgar a iniciativa, postagem que viralizou nas redes sociais.

Os vereadores ainda elogiaram a atitude de Bárbara, mote de outro requerimento de votos de congratulações aprovado na CMC (077.00025.2020).  Euler lembrou de projeto em tramitação no Legislativo, de iniciativa do vereador licenciado Helio Wirbiski (Cidadania), para que todos os assentos dos ônibus sejam preferenciais a idosos, gestantes, pessoas com deficiência ou com crianças de colo (005.00027.2017). Ele sugeriu que a matéria, se aprovada, receba o nome de Lei Salete. A proposta tramitou nas comissões e já pode ser votada em plenário.

“Você faz parte da minha categoria. Sempre falo que estou vereador, mas sou motorista. Me enche de orgulho quando a gente consegue subir aqui e homenagear uma pessoa especial”, pontuou Campos. “Hoje em dia é tão fácil a gente ver as fake news. [Nas redes sociais] propagar a mentira, o ódio.” Em sua avaliação, campanhas no sistema de transporte coletivo deveriam “conscientizar as pessoas” aos assentos preferenciais.

Mulheres da periferia
“E aquelas mulheres que não conseguem enterrar seus filhos porque não têm endereço? O que a gente fala [a elas]?”, questionou Edson do Parolin. O vereador reforçou situação de famílias removidas para o Ganchinho e que, pela falta de endereço formal, não conseguem receber correspondência, entregas, ter ligação de água ou comprovante de residência.

“E nesta Casa de Leis não vão votar o projeto que a gente fez [005.00063.2019, para regularizar áreas do Ganchinho, em trâmite na Comissão de Economia]. Então a gente vai fazer uma audiência pública”, afirmou. “A gente homenageia muitas mulheres importantes”, ponderou Edson do Parolin, mas na periferia existem “muitas mulheres que merecem ser homenageadas” e que “não têm dignidade”, porque sequer “conseguem enterrar seus mortos”.