CMC encerra ações do Abril Azul com audiência pública sobre autismo e sociedade

por Pedritta Marihá Garcia | Revisão: Vanusa Paiva — publicado 29/04/2022 14h10, última modificação 29/04/2022 14h10
Debate promovido por Flávia Francischini (União), que é mãe de uma criança autista, reuniu especialistas, entidades que atendem pessoas com TEA e familiares.
CMC encerra ações do Abril Azul com audiência pública sobre autismo e sociedade

O evento foi realizado no Palácio Rio Branco e transmitido pelas redes sociais da CMC. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)

Celebrado em 2 de abril, o Dia Mundial de Conscientização do Autismo pautou diversas ações na Câmara Municipal de Curitiba (CMC). E como parte da campanha de conscientização sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), o Abril Azul, uma audiência pública foi realizada nesta quinta-feira (28), no Palácio Rio Branco. Com o tema “Autismo e a Sociedade” o debate mobilizou mães e pais de pessoas autistas, especialistas e entidades e durou cerca de 2h30 – disponível para acesso, na íntegra, no YouTube da CMC. 

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O evento foi uma iniciativa do gabinete parlamentar de Flávia Francischini (União) – por meio do requerimento 407.00007.2022. Mãe de Bernardo, que tem 12 anos e é autista, a vereadora também emprega, em seu mandato, o único estagiário autista da Câmara Municipal, Érico Carvalho. “Para mim, como mãe de uma criança, este mês é o mais importante. É o mês em que a gente para um pouquinho para se conscientizar, para falar um pouco sobre inclusão, sobre o que é conviver com uma pessoa autista ou sobre o que pode fazer para praticar a inclusão”, disse. 

Comecei minha história com o autismo, há 12 anos. Não vou dizer que é um mar de rosas. Tem muita gente que deve falar ‘olha, deve ser tudo 100%, ele deve ter os melhores tratamentos’. Mas não é assim. A gente se tranca às vezes no banheiro, chora às vezes. […] E se hoje Deus viesse e me dissesse que eu poderia fazer três pedidos, um deles seria para que o Bernardo viesse exatamente do jeitinho que ele é”, relatou a vereadora, ao frisar que a audiência pública foi idealizada para dar voz às famílias dos autistas. 

Características gerais do autismo
Quem possui o transtorno apresenta algum grau de alteração no comportamento social, na comunicação ou na linguagem e tem um repertório restrito, estereotipado e repetitivo de interesses e atividades. O diagnóstico do autismo é realizado por meio de observação direta do comportamento do paciente e de entrevista com pais ou cuidadores. Os sintomas característicos podem ser identificados antes dos três anos de idade, com um diagnóstico possível por volta dos dois anos. 

Alguns sinais bem característicos do TEA na primeira infância são: bebês que não buscam o olhar da mãe ao serem amamentados; crianças que não demonstram diferença entre o colo dos pais e o de desconhecidos; atraso para aprender a engatinhar e andar; incômodo exagerado a estímulos como luz, sons e texturas; e apego exagerado a objetos. Autistas podem apresentar condições de comorbidades, como epilepsia, depressão e hiperatividade; e o nível intelectual pode variar de um caso para outro. 

Números do autismo
Relatório do CDC (Center of Diseases Control and Prevention), de dezembro de 2021, apontou que 1 em cada 44 crianças de até 8 anos de idade tem o diagnóstico de autismo e que o TEA atinge de 1% a 2% da população mundial. As falas que sucederam o depoimento de Flávia Francischini não só reforçaram a importância da inclusão das pessoas com autismo na sociedade, como também frisaram a necessidade do diagnóstico precoce e da capacitação dos familiares, para a garantia da efetividade e continuidade dos tratamentos terapêuticos. 

Dois especialistas ouvidos, a psicóloga Maria Helena Keinert e o médico neuropediatra Paulo Liberalesso, concordaram que o crescimento do número de autistas na população mundial, registrado nos últimos anos, reforça esses três pontos: inclusão, diagnóstico e capacitação. Segundo Maria Helena Keinert, o diagnóstico até os 4 anos aumentou cerca de 50% nos últimos anos. “Essa é a melhor notícia do dia”, disse, ao complementar que há 30 anos a prevalência era de 1 a cada 10 mil crianças. 

Ela contou que, na pandemia, diagnosticou mais de 70 adultos – entre 20 e 64 anos de idade – com autismo. “Essas pessoas, que viveram algum tipo de desconforto pela própria pandemia, que fez com que se olhassem mais e começassem a pesquisar no Google para saber se tinham alguma coisa diferente. E muitas dessas pessoas vieram em busca de diagnóstico. São pessoas que têm uma vida típica e dentro desta vida típica se descobre um quadro de autismo, que está presente desde a infância”, explicou a psicóloga. 

Não há estatísticas no Brasil que confirmem o número de pessoas com TEA”, revelou o neuropediatra Paulo Liberalesso. Com base no levantamento do CDC, ele calcula que de 1 a 2% da população mundial tenha autismo: são cerca de 140 milhões de pessoas. “No Brasil, seriam 4,5 milhões. Em Curitiba, [proporcionalmente temos] mais de 40 mil pessoas autistas. É uma cidade inteira do interior morando aqui, com TEA”, observou. Para ele, o diagnóstico precoce – até 1 ano e meio de idade da criança – é necessário para promover melhores oportunidades de tratamento do autista.

Tratamento e capacitação
O neuropediatra analisou que o tratamento da pessoa que tem Transtorno do Espectro Autista só pode ser considerado caro quando deixa de ser feito no momento certo. “Não existe nada mais caro do que você ter uma pessoa que vai fazer improdutiva o resto da sua vida, porque você não fez o que devia ter feito quando essa pessoa era pequena”, complementou, reforçando novamente a necessidade do diagnóstico precoce do autismo. Como exemplo, ele citou bebês de 7 e 8 meses que já foram diagnosticados com TEA e já são atendidos em sua clínica. 

Sobre a importância do apoio familiar no tratamento do autista, Paulo Liberalesso foi ainda mais enfático. Ele explicou que, no Brasil, um autista passa em média 10 horas da sua semana em acompanhamento clínico e terapêutico. Esse tempo é considerado “excelente”, segundo o médico, mas é preocupante se comparado ao restante das horas desse autista: uma semana tem 168 horas, portanto 10h é nada, é 5%. Os outros 95% do tempo, essa criança está com a mãe. Então, treinar familiares, treinar as pessoas é absolutamente fundamental. Não existe tratamento para quem tem TEA, se essa pessoa chega em casa e não recebe absolutamente nada”. 

Para evitar que “comportamentos [desenvolvidos] dentro da clínica” sejam “destruídos em outros ambientes” por quem não sabe lidar com o autismo, é necessário capacitar as pessoas, treiná-las. “O que dá para fazer? Trabalhar com as famílias, mães, tios, avós, cuidadores, professores. Capacitar as pessoas para lidarem com os autistas e isso não tem um custo elevado e tem uma eficiência garantida. Porque os pais sabendo como lidar, eles vão ajudar muito mais”, completou Maria Helena Keinert. 

Representante do Comando Geral da Polícia Militar do Paraná (PMPR), o major Valter Ribeiro da Silva, que é pai de uma criança com autismo, explicou que hoje a corporação tem se debruçado sobre a temática e já desenvolve a adaptação da cartilha do Proerd (Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência) para pessoas com autismo – o material inclusive estará disponível para ser adotado pelas polícias militares dos demais estados brasileiros. 

Outro avanço na corporação é a criação de uma comissão técnica, da qual ele é membro, que estuda a inserção de capacitações para atendimentos a pessoas autistas e com outras deficiências. “Esta comissão está empenhada em desenvolver um protocolo de abordagem policial. Pensando na situação de uma abordagem, de trânsito ou suspeita, como deve ser a atitude do policial? Deve se aproximar, deve ligar ou desligar o giroflex? O policial tem que saber como se comportar nesses casos”, explicou, para observar, na sequência, que instituições e familiares também devem receber treinamento sobre condutas a serem adotadas (ou não) em procedimentos de revista para facilitar a abordagem policial e evitar que as situações possam evoluir para algo mais grave. 

Familiares de autistas
Mãe de um adolescente autista de 16 anos, a ativista e psicopedagoga Ledi Almeida, corroborou os apontamentos do médico. Segundo ela, se seu filho “está bem e está no segundo ano do ensino médio” é porque ele recebeu os tratamentos adequados desde o início do diagnóstico, aos 2 anos de idade. “Como mãe e como cidadã não me sinto feliz. Eu vejo meu filho bem, mas e os outros? Enquanto tiver um autista em sofrimento, que não tem um tratamento adequado, não temos nada. Não adianta a gente criar leis que não são exequíveis. Infelizmente, o que mais vejo são leis bonitas para fotos do Instagram, para flyers, para compor estatísticas. Quantos autistas temos incluídos no Paraná? E em Curitiba? Muitos, passamos de mil. Mas todos estão alfabetizados? Todos chegam no sexto ano alfabetizados?”, indagou ela, que é embaixadora do Instituto Eu Tenho Nome. 

Pilar Carvalho, mãe de Érico, estagiário da vereadora, relatou que quando ele nasceu, há 23 anos, falar sobre TEA era “um mistério”. “Quando a mãe é taxada de guerreira, nada mais é do que uma sobrecarga, a isenção da colaboração. E tudo a respeito da inclusão é extremamente importante. A inclusão deve se dar trocando ideias”, afirmou. Érico participou da audiência. “É uma pessoa autista, consciente das dificuldades e capacidades, produtiva, que exerce o trabalho, que cumpre horário, tem uma pauta, faz a tarefa. Quando não faz, assim como todos os outros, leva um puxão de orelhas com carinho. Temos a Pilar, que é a mãe dele e está ali conosco e tem contribuído dia após dia. Nos ensina como lidar com o Érico. Isso também é inclusão”, respondeu a vereadora. 

[Espero que] possam ser criadas mais pontes, para que a gente possa lutar não só pelo direito do autista, mas pelo direito ao tratamento, à condução terapêutica de forma correta, combatendo a pseudociência. Eu espero que a gente possa construir pontes a partir daqui, lutando contra o roll taxativo dos planos de saúde, para que as crianças que não têm condições de pagar, possam ter condições a condutas terapêuticas adequadas”, complementou Luciana Galebi, que também tem uma criança autista. 

Inclusão e mais
Para os participantes da audiência pública, a conscientização sobre o autismo passa pela inclusão dos autistas na sociedade e pela efetividade da legislação em vigor. Maria Helena Keinert citou como exemplo a Lei Berenice Piana (lei federal 12.764/2012), que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, que não estaria sendo aplicada. “O direito de crianças e adolescentes a terem tutores nas escolas deve ser respeitado. Nós precisamos dos vereadores para fazerem com que essas leis sejam cumpridas”.

Marcos Renan Ceschin (Pode), vereador de Pinhais, defendeu que ações de conscientização são fundamentais para levar orientações às mães que recém descobriram que seus filhos e filhas têm autismo. “A gente precisa de um cuidado especial com as mães [dos autistas]. Logo após o diagnóstico muitos pais abandonam as mães. Lá em Pinhais temos muitos casos assim. As mães precisam de uma atenção também. Como Poder Legislativo temos que cobrar das prefeituras ações [de apoio]”, disse, ao relatar que em Pinhais, pelo menos 80 crianças com TEA não têm o acompanhamento de tutores nas escolas. O parlamentar conheceu a causa por meio de uma família que estava na fila de espera por uma consulta especializada no município vizinho. 

Você não tem, na família, uma pessoa autista. E isso é inclusão. Uma pessoa comum, da sociedade, também vereador, mas como cidadão vindo aprender, falar de uma pauta tão importante. A inclusão não deve ser falada só por nós, pais, mães, que levantamos a bandeira diariamente, com muito amor, mas com muita dificuldade, com muito cansaço. O maior esforço [para a inclusão] também vem daquele cidadão que não tem nenhum familiar autista. Daquela mãe que, todos dias, quando arruma o filho pequeno para ir à escola, ensina àquela criança que se tiver um amigo que tiver um comportamento, tiver uma crise, que ela respeite, ajude, dê a mão, não saia de perto. A inclusão deve ser inserida dentro das casas”, reforçou Flávia Francischini. 

Para Fernando Francischini, esposo da vereadora e pai de Bernardo, a pauta do autismo é o dia a dia. Ele, que atuou pela causa quando ocupou o cargo de deputado federal, também manifestou preocupação com o número de divórcios em famílias com crianças autistas e defendeu políticas públicas de inserção das mães no mercado de trabalho. Já Régis Rogério Vicente Sartori, promotor de Justiça de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, informou que o Ministério Público do Paraná (MPPR) tem realizado atendimento especializado descentralizado nas entidades que assistem pessoas com TEA e escolas especiais. 

Também participaram da audiência pública: os vereadores Indiara Barbosa (Novo) e Mauro Bobato (Pode); a presidente do Instituto Eu Tenho Nome, Fernanda Bruni; e a presidente da Remi Inclusão, Malu Silva. Outras entidades também estiveram presentes no debate, como Instituto Anjo Azul, UPA - União dos Pais pelo Autismo, Passos de Cão e Associação de Pais Autistas de Pinhais. 

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