Câmara promove seminário sobre a desigualdade em Curitiba

por João Cândido Martins | Revisão: Ricardo Marques — publicado 21/09/2023 10h50, última modificação 21/09/2023 10h50
A exclusão social quanto ao gênero e ao direito habitacional foram alguns dos temas tratados, além da divulgação do livro Desigualdade em Foco.
Câmara promove seminário sobre a desigualdade em Curitiba

Nesta quarta (20), a Câmara promoveu um seminário para o debate das desigualdades sociais em Curitiba. A iniciativa foi da vereadora Professora Josete. (Foto: Carlos Costa/CMC)

A exclusão social com foco no gênero e no direito habitacional foram alguns dos temas centrais discutidos durante o seminário, intitulado "A Desigualdade em Curitiba",  realizado nesta quarta-feira (20), na Câmara Municipal de Curitiba. O evento, organizado pela vereadora Professora Josete (PT), também teve como objetivo apresentar o livro "Desigualdade em Foco", publicado pela Platô Editorial. A obra reúne artigos sob a organização dos professores Arilda Arboleya (ISULPAR), Geraldo Balduino Horn (UFPR), Marli Barros Dias (Faculdade Unina) e Patrícia Vasconcelos Cavalcanti de Marotta (University of the People – USA).

A mesa de discussão contou com a presença de Darci Frigo, advogado e coordenador da Organização de Direitos Humanos Terra de Direitos; Dayana Brunetto, coordenadora geral de promoção dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania; Meg Rayara Gomes de Oliveira, doutora em educação pela UFPR e coordenadora do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros da UFPR; Geraldo Balduino Horn, professor titular da UFPR; e Marli Barros Dias, professora e vice-coordenadora do Núcleo de Docentes e Pesquisadores (NDP) da Faculdade Unina, em Curitiba.

Assista ao seminário no Canal do Youtube da Câmara.

Veja as fotos do evento no Flickr da Câmara.

Saudação

A vereadora Professora Josete explicou que o propósito do seminário "A Desigualdade em Curitiba" é promover reflexões sobre as contradições de uma cidade que é conhecida como "cidade modelo", mas que, muitas vezes, invisibiliza suas origens para confirmar as denúncias feitas por pesquisadores desde o século passado. Citando o prefácio do livro "A Desigualdade em Curitiba", escrito pelo professor Carlos Maré, da UFPR, Josete questionou: "Como explicar a origem e a razão da palavra Curitiba? Para quem a vê na aparência cândida, loura, tão distante do nome indígena, como explicar o epistemicídio dos construtores da cidade?" A vereadora também destacou que, de acordo com dados da Curitiba Metrópole em parceria com o Grupo de Estudos em Macroeconomia Ecológica da UFPR, a cidade é a mais desigual entre as que compõem a Região Metropolitana de Curitiba (RMC).

Josete ressaltou que, em 2022, a ONU apontou que o Brasil é o país com a maior concentração de renda do mundo e que os 6 homens mais ricos do Brasil controlam a mesma quantidade de riqueza que 50% da população. “Devemos pensar naqueles que estão excluídos da cidade em termos de direitos, de condições de vida, esporte, lazer cultura e outros aspectos. Ainda temos muito que caminhar. Nesse sentido precisamos ter um diagnóstico para buscarmos a redução das desigualdades. E, nesse sentido, esse seminário tem por fim a troca de experiências e conhecimentos”, disse a vereadora.

Habitação

Darci Frigo, advogado e coordenador da Organização de Direitos Humanos Terra de Direitos, abordou as questões relacionadas à exclusão de direitos no âmbito habitacional. Ele destacou que os princípios fundamentais dos direitos humanos foram estabelecidos na Convenção de Viena em 1993.  “Quando eu era jovem, a gente pensava em como enfrentar o paradigma do capitalismo e lidar com a desigualdade, mas com o tempo, percebemos que havia desigualdades de outra natureza, como as raciais e de gênero”, disse Frigo.

Para ele, o neoliberalismo alimentou visões e práticas equivocadas durante décadas e é necessário que se desenvolvam novas ideias para que se superem as desigualdades que vivemos hoje. “A elite curitibana está satisfeita com a presença de Rafael Greca na Prefeitura, porque ele agrada os interesses econômicos dos grupos que integram essa elite. A Cohab aponta 410 áreas de ocupação irregular (num total de 50 mil famílias), mas estima-se que sejam mais de 900 assentamento informais. “Um apartamento de 44 m² pode custar mais de 400 mil reais. Esse é o quadro que devemos enfrentar numa cidade que destina somente 0,45% de seu orçamento à política habitacional. A Prefeitura destina mais dinheiro à jardinagem pública do que a programas de habitação”, afirmou Frigo. 

Relações Assimétricas

Dayana Brunetto, coordenadora geral de promoção dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, lembrou do conceito de “Direito à Cidade”, desenvolvido pelo filósofo e sociólogo francês Henri Lefebvre (1901-1991). De acordo com ela, Lefebvre estava se referindo à ocupação do espaço urbano por todas as pessoas, com pleno acesso a todos e com garantia do exercício de seus direitos. “Por que a Marcha para Jesus enfrenta menos obstáculos para sua realização do que a Marcha do Empoderamento Crespo ou a Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais? Nessas situações, a gente percebe que a produção da cidade não se faz de modo coletivo”, disse Dayana.

Para exemplificar como a desigualdade se manifesta na sociedade brasileira, Brunetto apontou alguns números sobre Curitiba. “O IBGE apontou, em 2018, que há 108 mil desempregados em Curitiba; o Instituto Trata Brasil diz que mais de 35 mil pessoas não têm acesso ao saneamento básico na cidade, e o Censo 2022 indicou que, em Curitiba, há aproximadamente 177 mil pessoas morando em favelas”, disse Dayana. Ainda, de acordo com ela, a sociedade se articula por relações assimétricas de poder. “Como gestora no Governo Federal dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, percebo que é urgente que se produzam políticas públicas interseccionais, como foi o caso do Plano Viver sem Limite, que é o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

Gilda e os direito à população trans

Meg Rayara Gomes de Oliveira iniciou sua fala destacando o fato de ser a primeira negra travesti a exercer a docência na UFPR, instituição com 110 anos de existência. “Muitas pessoas se valem da minha presença na universidade para dizer que a UFPR é um espaço acolhedor para trans e travestis, mas não é bem assim”, disse ela. Nesse sentido, ela pediu apoio dos vereadores para que o Hospital de Clínicas da UFPR implante um ambulatório especializado no atendimento e acolhimento de pessoas trans.

Meg Rayara também criticou a falta de inclusão das pessoas "que não se enquadram na heteronormatividade" em diálogos em outras instituições e a falta de informações a respeito do tema: “O Brasil lidera há 14 anos o ranking dos países em que mais se matam travestis e transsexuais no mundo e esse dado é revelado por instituições trans. O Estado brasileiro não produz relatórios sobre o tema”, disse Meg Rayara.

Na sequência, a doutora em Educação manifestou repúdio ao projeto de lei em trâmite na Câmara Federal que impede o casamento entre pessoas LGBTQIA+. “Quando a gente fala no casamento igualitário, não se trata apenas do casamento, mas de 36 direitos elementares que eram negados à população trans, como o de juntar rendas para formar uma casa ou adotar uma criança com nome do casal”, exemplificou a professora.

Meg Rayara ainda salientou a importância de Gilda, travesti que viveu em situação de rua na Curitiba do final dos anos de 1970 e começo dos 1980. “Ela foi uma pioneira na luta pelo direito dos trans circularem livremente pela cidade. A necropolítica matou Gilda e está matando uma juventude trans que não consegue acolhimento dentro de uma instituição formal de ensino, porque o nome e o gênero não são reconhecidos”, concluiu.

Desigualdade em Foco

Geraldo Balduino Horn (UFPR) e Marli Barros Dias (Faculdade Unina) ocuparam a mesa para falar sobre a publicação do livro "Desigualdade em Foco", lançado pela Platô Editorial. Para Geraldo, é necessário que o debate sobre as desigualdades seja público e aprofundado com dados atuais. “Inicialmente, a ideia era a de que este fosse o primeiro livro de uma trilogia que abrangeria a desigualdade em Curitiba, no Estado do Paraná e no Brasil. Repensamos a ideia e agora projetamos uma série feita com base nas contribuições de uma rede de trabalhos, disse o professor. Marli Barros Dias, que formulou a ideia original do projeto, revelou que sempre esteve envolvida com movimentos sociais e que a ideia do livro surgiu durante a pandemia, em 2020.

O que chamou a atenção na elaboração e na organização dos textos que compuseram o livro foi a falta de dados. Curitiba não tem dados sobre exclusão social ou não quiseram fornecer. Como a cidade pode ser ‘modelo’ se não há dados?”, indagou a pesquisadora. De acordo com Marli, houve até interceptação de e-mails durante a realização do projeto. Ela não se disse surpreendida com essas dificuldades, pois era sabido que a obra traria à tona informações que muitos, de acordo com ela, preferiam que permanecessem escondidas. Marli disse que há interesse em continuar o projeto em nível estadual e nacional, apesar das dificuldades. Ainda de acordo com ela, as desigualdades no meio rural também merecem ser estudadas.

Depoimentos

Caroline Nascimento, ouvidora geral da Defensoria Pública do Paraná, disse que a Ouvidoria tem 5% de cotas para Pessoas com Deficiência (PcD) e aumentou de 20% para 30% a porcentagem de cotas para pessoas negras, além de ser a primeira entidade do gênero no país a ter cotas para pessoas trans (2%). Gregório Rodrigues, representando a Cáritas Curitiba, apontou a necessidade de trazer os imigrantes para a pauta das discussões em torno das desigualdades em Curitiba. Jean Claude, jornalista, publicitário e assessor do deputado federal Zeca Dirceu, destacou que a violência policial agora ganhou um nome, segundo ele, glamourizado: “confronto”. Ele lembrou que, em 1998, participou, ao lado do advogado Darci Frigo, da realização do vídeo “O arquiteto da violência”, que denunciava a violência policial contra os integrantes do Movimento sem Terra.

Presenças

Também estiveram presentes no seminário: Diana Cristina de Abreu, presidente do Sindicagto dos Servidores do Magistério Municipal de Curitiba (Sismmac); Dra. Clair, ex-vereadora e ex-deputada federal. Gentil Couto Vieira, representante do Centro de Formação Urbano Rural Irmã Araújo (Cefuria); Marcelo Nascimento de Oliveira, representante do Conselho Regional de Serviço Social (Cress-PR); Gregório Rodrigues, representante da Cáritas Curitiba; Ivete Caribe da Rocha, representante do grupo Geração 68; Edmilson Figueiredo, representante da Federação dos Trabalhadores em Empresas de Crédito do Paraná (Fetec-Cut-PR); Suzy Montserrat, representando a vereadora Giorgia Prates - Mandata Preta(PT); Patrícia da Silva, representando o mandato do deputado estadual Doutor Antenor; Pedro de Moraes, representando o mandato do deputado estadual Goura; Éricles Daniel, representante do mandato da deputada estadual Carol Dartora; Luiz Armando Erthal, superintendente do Ministério da Saúde; Murilo da Fonseca, representando a Rede Curitiba Climática; Antonio Carlos Torrens, fundador e ex-diretor da Escola do Legislativo da Câmara Municipal de Curitiba; Lucas Soares, representante do Movimento pela Descriminalização da Maconha; Sônia Hoffmann, liderança do comitê Popular de Lutas Praça Tiradentes; Célia Penteado, representando o Instituto de Desenvolvimento e Capacitação de Projetos Sociais (IDCP); Jean Claude, representando o mandato do deputado federal Zeca Dirceu e Caroline Nascimento, ouvidora geral da Defensoria Pública do Paraná.