Câmara na História: Curitiba vira capital em 1853 com a Emancipação

por José Lázaro Jr. | Revisão: Alex Gruba e Vanusa Paiva — publicado 10/11/2022 08h00, última modificação 31/03/2023 13h00
Depois da Emancipação do Paraná, a CMC perde a articulação com o interior para a Assembleia. Leis do fim do Império reduzem votantes.
Câmara na História: Curitiba vira capital em 1853 com a Emancipação

Da Emancipação ao fim do Império, Curitiba cresceu puxada pelo ciclo da erva-mate. (Arte: Emily Curbani/CMC; Infográfico: Caroline Periard/CMC)

Quando Zacarias de Góis e Vasconcelos chega a Curitiba, no dia 19 de dezembro de 1853, é efetivada a criação da Província do Paraná. O desmembramento tinha sido aprovado há dois meses pela Câmara dos Deputados, em 29 de outubro, mas a articulação para esse feito começou mais de dez anos antes, quando a administração central era disputada por Conservadores e Liberais - as duas forças políticas do Império do Brasil . O vaivém do poder dos anos 1840 é descrito por Vitor Marcos Gregório na tese “ Dividindo as Províncias do Império ”.

Gregório conta que os levantes militares de orientação liberal, em 1842, nas cidades de Sorocaba (SP) e Barbacena (MG), estão no cerne dessa questão. Para evitar que também a região que virá a ser o Paraná se erguesse contra o governo central, João da Silva Machado é enviado para Curitiba para barganhar com as forças liberais daqui. Machado usou o desejo de emancipação de São Paulo como moeda de troca para que os políticos do Paraná não aderissem às inconfidências em curso.

Os políticos paranaenses cumpriram com a palavra e o presidente da Província de São Paulo, José da Costa Carvalho, após as tropas legalistas abafarem os rebeldes, levando o pleito da emancipação à frente. Ele, no dia 30 de julho de 1842, envia carta ao ministro do Império Cândido José de Araújo Viana, pedindo a expedição da comarca de Curitiba à Província. No ano de 1843, o deputado Joaquim Pacheco aguardava, na Câmara dos Deputados, um requerimento de informações ao governo geral requerendo documentos sobre o pedido de emancipação. O pleito avançava.

“Mas não era somente o temor de que a comarca se rebelasse que embasava o argumento de José da Costa Carvalho. Mais a frente em seu ofício, o presidente de São Paulo refere que a região já estava em condições de ser elevada à província, justificando para sustentar esta afirmação sua população, a facilidade de civilizar seus indígenas, suas rendas gerais e provinciais. Além disso, trate-se-ia de uma área de fronteira, localizada a grande distância do centro de poder paulista, o que torna difícil sua administração”, relata o historiador Vítor Gregório. Outro argumento trazido por ele é que a Província aqui serviria como sentinela do separatismo dos gaúchos.



Política na Câmara A eleição em Curitiba por meio do voto censitário foi descrita no texto anterior desta série, "Câmara na História", o qual mostra  o funcionamento deste Poder no período do Brasil Império . As regras seguravam alterações com a entrada em vigor da lei 387/1846, no dia 19 de agosto, que organizou os pleitos para todas as cargas eletivas no país. No âmbito das Câmaras Municipais (primeiro grau), houve aumento da renda mínima necessária à qualificação dos votantes, que dobrou, passando de 100 mil réis para 200 mil réis.


Nesta época, como explica Jairo Nicolau, no livro "Eleições no Brasil", “para ser vereador bastava ser votante de primeiro grau e morar há pelo menos dois anos no município”. O processo eleitoral seguiu basicamente o mesmo, sendo que, no dia das eleições, o eleitor entregou uma lista, com os nomes dos vereadores que queriam eleger, à mesa encarregada da apuração, que era batida na igreja, logo após a missa. Não havia voto secreto, pois a lista era assinada no verso. A mudança mais importante decorrente da Emancipação foi sutil, como mostrado anteriormente outra reportagem do projeto Nossa Memória sobre a Emancipação do Paraná

. Até 1853, a Câmara de Curitiba fazia a mediação política do litoral com o interior, mas isso cessou com a criação da Assembleia Legislativa do Paraná, que assumiu esse papel de articulação. O resultado foi que a CMC então pôde se dedicar integralmente às questões locais e ao desenvolvimento decorrente do dinheiro que jorrava na região, em razão do comércio da erva-mate. Nesses primeiros anos da capital, de 1852 a 1856, os vereadores foram Francisco de Paula Guimarães, Ignácio José Moraes, Francisco Borges de Macedo, Floriano Berlintes de Castro, Vicente Ferreira da Luz, Benedicto Enéas de Paula, Tobias Pinto Rebello, João Silveira de Miranda, Antonio Ricardo Lustosa de Andrade, Padre João de Abreu Sá Sotto Maior e Bento Florêncio Munhoz. Os nomes constam em pesquisa de Alessandro Cavassin Alves, intitulado “

Vereadores e Juízes de Paz em Curitiba de 1856 a 1889 ”. Elevada à cidade em 1842, a Câmara de Curitiba já era composta por nove vereadores nesta época. Segundo João Carlos Ferreira, no livro “ O Paraná e seus municípios ”, em 1853, Curitiba tinha 5.891 habitantes, 308 casas, 2 escolas de primeiras letras, 38 lojas de fazendas e armarinhos e 35 armazéns de comestíveis. Os votantes eram 12% da população total [aproximadamente 700] e 57% da população masculina livre acima dos 20 anos [de idade], informa Jairo Nicolau, no livro "Eleições no Brasil".



De 1856 até a Proclamação da República, em 1889, passou pela Câmara Municipal de Curitiba 71 políticos locais, cujos nomes constam no trabalho de Cavassin Alves, e que foram os últimos vereadores do Brasil Império. Na relação, são nomes conhecidos da população de hoje em dia, em razão de eles identificarem logradouros públicos. É o caso do advogado e tropeiro Jesuíno Marcondes (presidente da CMC de 1857 a 1860), de Generoso Marques dos Santos (vereador de 1869 a 1871), do Doutor Pedrosa (presidente da CMC de 1873 a 1876) e do médico Trajano Reis ( presidente da CMC de 1883 a 1886).

Para Cavassin Alves, nesse período, as eleições para a CMC foram caracterizadas por “muitas rixas e desentendimentos, fraudes, forte controle sobre o possível resultado desejado e significativa disputa entre Liberais e Conservadores”. Olhando a genealogia das famílias políticas da época, o pesquisador afirma que os “clãs parentais” extrapolaram sua influência, por meio da competição nas urnas, constituindo “clãs eleitorais”.

A Lei Saraiva
O voto censitário seguiu valendo por todo o Brasil Império, mas como o valor não foi atualizado desde 1846, na década de 1870 os políticos já questionavam a validade do instrumento, pois 200 mil réis “podiam ser auferidos por profissões de pequeno prestígio” (carregadores, cocheiros, cozinheiros, lavradores etc.). Havia também fraudes constantes na declaração, a ponto de, em 1875, ser criada a Junta de Qualificação, cuja atribuição era recolher os dados básicos, conferir a renda dos votantes e anotar se eles sabiam ler e escrever.

O desejo de Reforma Eleitoral culminou, em 9 de janeiro de 1881, na expedição da Lei Saraiva (decreto 3.029/1881). Numa tacada só, o Brasil dispensou as cerimônias religiosas no dia da votação; endureceu o controle sobre o alistamento dos votantes, que deixou de ser automático, para se tornar uma iniciativa do eleitor (que para se habilitar à participação no pleito deveria levar os documentos comprobatórios ao juiz municipal, que os enviava ao juiz provincial para validação); criou o título eleitoral; e barrou a participação dos analfabetos.

Dados da época indicam que o conjunto de medidas reduziu em 85% o número de participantes nas eleições seguintes. O voto só se tornaria secreto no Brasil em 1932, mas a Lei Saraiva aumentou a proteção ao votante, ao determinar que ele escrevesse seus candidatos em papel branco, sem marcas ou numeração, deixando a assinatura comprobatória da participação no pleito para uma lista em separado, em vez de rubricar o verso da cédula com os nomes.

A Lei Saraiva também instituiu o voto direto para todos os cargos, então chamados de “segundo grau”. Isso não mudou a composição da Câmara Municipal de Curitiba, mas afetou a escolha para as Assembleias, Câmara de Deputados e Senado, que antes eram formados por meio de um intrincado sistema de voto indireto. “A adoção do voto direto alterou o padrão de relação dos parlamentares com as suas bases. Agora eles passaram a ter um território definido para representar com eleitores previamente inscritos para se relacionar”, explica Nicolau.

Curitiba se vê no espelho
“Quem viu aquela Curitiba, acanhada e sonolenta, de 1853, não reconhece a Curitiba suntuosa de hoje, com suas grandes avenidas e boulevards, as suas amplas ruas alegres, as suas praças, os seus jardins, os seus edifícios magníficos”, disse o político Rocha Pombo, por ocasião de comemorações futuras da Emancipação. “Nos 50 anos que se sucederam [à Emancipação], Curitiba e o estado cresceram substancialmente”, diz o pesquisador João Carlos Ferreira, citado em outra reportagem da CMC sobre o período, já publicada no projeto Nossa Memória. Ele destaca o salto populacional, de 6 mil para 40 mil habitantes em 1903.

“O quadro urbano de Curitiba, que ao final dos Oitocentos era constituído por núcleos modestos, comércio e pequenos artífices, se transformou, recebendo ares de moderno. Surgiram salões públicos, clubes e sociedades, onde se realizavam concertos, bailes e representações teatrais, num movimento visível que também decorria do aumento populacional”, confirma a pesquisa de Liliana Müller Larocca e Vera Regina Beltrão Marques, intitulada “A construção do novo Paraná , uma análise dos discursos higienistas ”.

Larocca e Marques explicam que, à época, “a produção da erva-mate ainda era o eixo que movimentava as cidades, constítuidos pela nascente burguesia, pelos trabalhadores fabris, profissionais liberais e outros ligados ao comércio, cujas necessidades passavam a determinar a maneira ea dinâmica social da urbe: exigência de ruas pavimentadas, iluminação noturna, saneamento, lugares de passeio, nova arquitetura, entre outros”. É dessa época a inauguração do jornal “O Dezenove de Dezembro”, criado apenas quatro meses depois da Emancipação.

Estudos recentes mostram, contudo, o tamanho dos desafios à época para os moradores da capital. “Curitiba não apresentou qualquer nível de desenvolvimento no setor cultural, no econômico ou no educacional que a destacasse como capital. No tocante à educação, padecia de todos os homens comuns à Província, havia falta de escolas, falta de professores habilitados e baixa frequência escolar”, destaca a historiadora Aricle Vechia, no artigo “ O ensino elementar na Província do Paraná 1853-1870 .

Vechia enumera que “em 1854, para uma população de aproximadamente 5 mil habitantes, havia em Curitiba apenas três cadeiras de primeiras letras, duas do sexo masculino, frequentadas por 89 alunos, e uma do sexo feminino, frequentada por 28 alunas”. de interesse pela educação, aponta a autora, decorria das grandes distâncias entre as residências e as escolas, mas também da “apatia dos pais”, que “preferem tirar todo o proveitoso do trabalho das crianças”.

É desse período, entre a Emancipação e o fim do Império, que começa a vinda de imigrantes para Curitiba. O pesquisador Márcio de Oliveira, no artigo “ Imigração e diferença em um estado do sul do Brasil: o caso do Paraná ”, aponta que não há dados para essas primeiras décadas, apenas o registro de colônias registradas por iniciativas de particulares. Nos anos 1870, foi registrada a vinda de 12.500 imigrantes para a província e de 2.769 na década de 1880. Por trás disso está a política de incentivo, que durará até 1896, que pagava a passagem, transporta até a colônia, lote e ajuda de custo.

“Em 1861 e, portanto, ainda em período escravocrata, a Câmara de Curitiba proibia o trabalho escravo nas lojas comerciais. Os imigrantes eram preferidos aos escravos (que deveriam ser 'superados') e mesmo aos nacionais de 'classes baixas'. As imagens em torno do caráter benéfico do 'imigrante trabalhador' em oposição ao escravo em vias de 'desaparecimento' surgem neste momento e, em 1872, a população imigrante residente em Curitiba já era de 1.339 indivíduos ou 11% do total”, ensina Márcio de Oliveira. Câmara na História


A Câmara Municipal de Curitiba (CMC) conta as legislaturas a partir do ano de 1947, após o fim do Estado Novo, mas a verdade é que a trajetória da instituição começou muito antes, lá no Brasil Colonial, e segue pelo Império, pela República Velha e pela Era Vargas até chegar nos períodos democráticos, aterrissando na Nova República, fundada com o fim da ditadura militar. Na série de reportagens “Câmara na História”, a Diretoria de Comunicação Social avança no projeto Nossa Memória , resgatando as principais características do Legislativo e da própria cidade em cada um desses períodos. 

A ideia é que a população possa ter um panorama de como a CMC e Curitiba nasceram e se transformaram juntas, lutando lado a lado, dentro da história do Brasil. Entre o fim de outubro e o dia 18 de novembro, serão publicadas sete reportagens especiais, às quintas e sextas-feiras. E também vai ter história rolando nas redes sociais da Câmara, de uma forma mais descontraída e acessível. 

Iniciado em 2009, pela Diretoria de Comunicação Social, o Nossa Memória é um projeto de resgate e valorização da história da Câmara Municipal e de Curitiba, já que ambos se entrelaçam. Além das reportagens especiais , a página traz, por exemplo, “ Os Manuscritos ”, que reúnem documentos desde a fundação oficial da cidade, em 1693, e o “ Livro das Legislaturas ”, com os vereadores da capital paranaense desde 1947.

Leia também:

Câmara na História I: briga na capela provocou 1ª eleição de Curitiba

 - Câmara na História II: lei, juiz e cadeia, assim era a CMC no Brasil Colônia

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Câmara na História V: vereadores na República Velha (1889-1930)

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Câmara na História VIII: CMC completa 75 anos de legislaturas ininterruptas

Faixa bônus: Antenor Pamphilo dos Santos, o primeiro vereador negro de Curitiba

Referências bibliográficas:

ALVES, Alessandro Cavassin. Vereadores e juízes de paz em Curitiba entre 1856 a 1889: a força política das famílias tradicionais. Revista NEP - Núcleo de Estudos Paranaenses, Curitiba, v. 2, n 2, p. 153-169, mai. 2016.

FERREIRA, João Carlos Vicente. O Paraná e seus municípios. Cuiabá: Editora Memória Brasileira, 2008.

GREGORIO, Vitor Marcos. Dividindo as províncias do Império: a emancipação do Amazonas e do Paraná e o sistema representativo na construção do Estado nacional brasileiro (1826-1854). 319 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

LAROCCA, Liliana Müller; MARQUES, Vera Regina Beltrão. A construção do novo Paraná, uma análise dos discursos higienistas. Cogitare Enfermagem, Curitiba, v. 15, n. 1, pág. 153-157, jan./mar. 2010.

NICOLAU, Jairo. Eleições no Brasil, do Império aos dias atuais. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2012.

OLIVEIRA, Márcio de. Migração e diferença em um estado do sul do Brasil: o caso do Paraná. Nuevo Mundo, Mundos Nuevos, Aubervilliers, mai. 2007.

VECHIA, Aricle. O ensino elementar na Província do Paraná: a instrução todos no discurso e na prátia 1853-1870. Quaestio Revista de Estudos de Educação, Sorocaba, v. 5, n. 2, nov. 2003.