A história da construção do Palácio Rio Branco

por João Cândido Martins de Oliveira Santos — publicado 26/03/2014 06h55, última modificação 13/05/2022 17h46
"Três fatores determinaram a construção do Palácio Rio Branco no final do século XIX..."
A história da construção do Palácio Rio Branco

Uma das primeiras imagens do Palácio Rio Branco, o antigo “Palácio do Congresso”, inaugurado em junho de 1891, mas concluído apenas em 1895. As janelas ainda não haviam sido instaladas. Vê-se à direita, a antiga garagem de bondes tracionados por mulas (Fo

O Palácio Rio Branco, sede da Câmara Municipal de Curitiba desde 1963, foi construído logo após a proclamação da República com o objetivo de ser a sede da Assembleia Legislativa do Estado. Os fatos políticos em torno da construção do prédio (cuja reinauguração acontecerá nesta semana, no dia 27 de março) são o tema do texto publicado agora pela Assessoria de Comunicação do Legislativo, como parte da pesquisa que há seis anos divulga a história de Curitiba.

Três fatores determinaram a construção do Palácio Rio Branco no final do século XIX: um relativo à política nacional e dois relativos a questões locais. O regime republicano, em vigor a partir de novembro de 1889, precisava marcar presença com edificações que representassem visualmente a instituição de uma nova fonte de poder político no Brasil. Havia também a real necessidade de um novo prédio para a Assembleia Legislativa, haja vista que a casa do Comendador Manoel de Moraes Roseira, antiga sede do poder legislativo estadual na Rua da Assembleia (atual Doutor Muricy), encontrava-se em estado precário – a construção era anterior a 1854.

Além disso, é necessário lembrar a acirrada rivalidade que contrapôs as duas forças políticas mais em evidência no estado do Paraná naquele momento: Conservadores (que sob a liderança de Vicente Machado fundaram o Partido Republicano) e Liberais (adeptos do sistema monárquico que se adaptaram ao novo regime político fundando a União Republicana, sob a chefia de Generoso Marques dos Santos), conforme esclarece Mônica Goulart em sua pesquisa de doutorado chamada “Classe dominante e jogo político na Assembleia Legislativa Paranaense”.

O Paraná foi governado durante os primeiros meses da República por sete políticos nomeados pelo Marechal Deodoro. Foi justamente neste período transitório, mais precisamente no dia 18 de outubro de 1890, que o engenheiro italiano Ernesto Guaita (radicado em Curitiba desde 1875) recebeu o convite para a direção das obras de um novo mercado, de um novo matadouro público e de um novo prédio para a Assembleia, conforme se verifica na edição do jornal “A República”, de 20 de novembro daquele ano. Neste documento constava a necessidade de que o novo prédio do Congresso Estadual (como era conhecida a Assembleia) fosse concluído em cinco meses. O engenheiro aceitou apenas a obra do Congresso, assinando o contrato uma semana após o convite na sede da Câmara Municipal, conforme relatou o mesmo jornal no dia 25 de novembro.

Prédio elegante
O convite feito ao engenheiro estava vinculado à disputa política entre os grupos de Vicente Machado e Generoso Marques. Machado, advogado natural de Castro, estava à frente de uma Comissão Administrativa que fora criada para prestar auxílio aos governadores nomeados – além de também ocupar os cargos de chefe de polícia e chefe da instrução pública, mas em pouco tempo ele se indispôs com um daqueles governadores provisórios, e acabou por ser afastado, numa circunstância que fortaleceu o grupo de Generoso Marques. Como havia a perspectiva da criação de uma Assembleia Constituinte Estadual e também da Assembleia Legislativa propriamente dita, Generoso articulou para que o novo prédio fosse construído no menor tempo possível, com o intuito de que sua inauguração coincidisse com a instalação das referidas assembleias (cujas lideranças ele previu serem suas).

De fato, com apoio do governador provisório José Cerqueira de Aguiar Lima, Generoso Marques se tornou o primeiro governador eleito do Estado e deu início às atividades da Assembleia Constituinte no novo prédio, que ainda não estava concluído. De qualquer modo, a edificação foi inaugurada com festas por Generoso em 30 de maio de 1891, conforme relata o jornal “Diário do Comércio” do dia posterior (grafia original):

“(...) Em vários pontos da rua da Liberdade erguiam-se arcos enramalhados com várias inscripções. Estavam embandeirados todos os edifícios públicos. O edifício em que funcciona o congresso é um prédio elegante, apropriado, banhado de luz e de ar, e que faz honra aos conhecimentos technicos do senhor doutor Ernesto Guaita. Installados os senhores congressistas nas respectivas cadeiras, declarou installado o Congresso o senhor Generoso Marques, cahindo então de um dos pontos da galeria esquerda muitas pétalas de flores, o que novamente succedeu logo após a terminação da leitura da mensagem feita pelo senhor secretário de governo. Apezar da crescida concurrencia de povo, correu tudo na melhor ordem e harmonia”.

Viva o Dr. Generoso!
O pesquisador Ricardo Costa de Oliveira, autor do livro “O silêncio dos vencedores”, lembra que o governo de Generoso (que também ocupava uma cadeira no Senado) durou pouco. Com a dissolução do Congresso Nacional pelo adoentado Marechal Deodoro em 3 de novembro de 1891, e sua posterior renúncia no dia 23, ergue-se a figura de Floriano Peixoto, o “marechal de ferro”, que dissolve todas as Assembleias Legislativas Estaduais (menos a do Pará). Generoso ainda tentou inutilmente manter as rédeas da situação no Paraná, inclusive com o uso de forças policiais, mas tudo em vão.

De acordo com o relato do escritor e memorialista Túlio Vargas, Generoso e seus correligionários foram cercados no prédio do quartel-general que ficava na Praça Tiradentes por tropas do Exército. Prevendo a chacina, Generoso decide entregar o poder sem resistência, mas, já na praça, o então deputado estadual Telêmaco Borba (sertanista e chefe político da cidade de Tibagi) soltou um grito insolente: “Viva o doutor Generoso!”. Apesar da ousadia, ninguém teve a coragem de prender  Telêmaco, conhecido por seu temperamento explosivo. Esta junta governativa foi substituída posteriormente com a eleição de Francisco Xavier da Silva e Vicente Machado. Sob o direcionamento do grupo político de Machado, uma segunda Constituição Estadual foi aprovada por nova assembleia constituinte em 7 de abril de 1892, e permaneceu em vigor até 1927.

Não fui eu, disse Vicente Machado
O prédio passaria por uma série de reformas e melhoramentos nos anos seguintes, sendo que tais obras foram brevemente interrompidas quando eclodiu a Revolução Federalista. Curitiba foi invadida por tropas revolucionárias gaúchas lideradas pelo coronel Gumercindo Saraiva, nos primeiros meses de 1894. Vicente Machado já não estava mais na cidade, cuja segurança teria sido garantida por Ildefonso Correia, o Barão do Serro Azul, que negociou com os invasores para que eles não ferissem os moradores ou depredassem os patrimônios públicos e privados. Esta atitude lhe custaria a vida por ocasião do retorno de Vicente Machado ao poder, em maio daquele ano. Generoso teve a oportunidade de assumir o governo do Estado, mas declinou em favor de Menezes Dória, inimigo histórico de Vicente Machado.

Segundo o escritor Rocha Pombo em seu livro “Para a História”, Curitiba ingressou em um período de “caça às bruxas” e, durante muito tempo, a população evitava sair às ruas com medo dos fuzilamentos e degolas promovidos pela polícia contra os supostos simpatizantes da Revolução Federalista. A degola era uma prática comum no período: basta lembrar o notório caso da jovem Maria Bueno, assassinada pelo amante um ano antes da invasão de Curitiba.

Maria José Correia, a Baronesa do Serro Azul, acusou Vicente Machado de ser o responsável pela morte de seu marido, executado com cinco companheiros no quilômetro 65 da estrada de ferro Curitiba-Paranaguá em maio de 1894. Alguns dos primeiros discursos proferidos por Machado no Palácio do Congresso (que passou a funcionar sem uma reinauguração oficial) foram no sentido de negar tais acusações. Machado morreria de câncer em 1907. No ano seguinte, uma coalizão entre os dois grupos políticos (Conservadores e Liberais) garantiu a Generoso Marques uma sobrevida política que só veio a terminar dois anos antes de sua morte, em 1928.

O prédio construído pelo engenheiro Guaita foi sede da Assembleia até 1957, quando ela foi transferida para o Centro Cívico. Seis anos depois, a construção foi rebatizada Palácio Rio Branco, e passou a comportar as atividades da Câmara Municipal de Curitiba.

Facebook da Câmara Municipal
Em comemoração aos 321 anos da cidade, o Legislativo lançou nesta semana mais duas ferramentas de comunicação da Câmara de Curitiba. Visite a nossa nova página oficial no Facebook (www.facebook.com/CamaraCuritiba) e confira também fotos novas e antigas do Palácio Rio Branco no Flickr (www.flickr.com/photos/camaracuritiba). Lembrando que todo o conteúdo está na internet, em www.cmc.pr.gov.br, e no Twitter, www.twitter.com/camaracuritiba. 

Referências Bibliográficas:
Castro, Elizabeth Amorim de. Edifícios Públicos de Curitiba – Ecletismo e Modernismo na Arquitetura Oficial. Edição do Autor. Curitiba, 2011. (impresso)

Corção, Izabel; Carneiro, Newton e Lyra, Cyro Corrêa de Oliveira. O Palácio do Congresso – Câmara Municipal de Curitiba – Histórico e Restauração. Boletim da Casa Romário Martins, n. 23, ano 4. Fundação Cultural de Curitiba (FCC). Curitiba, 1978. (impresso)

Diário do Comércio, 30 de maio de 1891. Hemeroteca Digital Brasileira – Biblioteca Nacional. Disponívem em http://hemerotecadigital.bn.br/

Goulart, Monica Helena Harrich Silva. Classe dominante e jogo político na Assembléia Legislativa Paranaense (1889-1930). Tese apresentada para o doutorado em Sociologia da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2008. Link aqui.

Oliveira, Ricardo Costa de. O Silêncio dos vencedores – Genealogia, classe dominante e Estado no Paraná. Editora Moinho do Verbo, 20ª Edição. Curitiba, 2001. (impresso)

Pombo, Rocha. Para a Historia – notas sobre a invasão federalista no estado do Paraná. Fundação Cultural de Curitiba (FCC), 1ª edição. Curitiba, 1980. (impresso)

Sutil, Marcelo. O Espelho e a Miragem. Editora: Travessa dos Editores, 1ª edição. Curitiba, 2009. (impresso)

Vargas, Túlio e Carneiro, David. História biográfica da república no Paraná. Edição: Banestado. Curitiba 1994. (impresso)

Órfão pobre se torna grande líder. Sobre Generoso Marques. Site O Paraná, 7 de julho de 2013.

Jornal Diário do Comércio, 30 de maio de 1891. Hemeroteca Digital Brasileira – Biblioteca Nacional. Disponível em http://hemerotecadigital.bn.br/