A Guarda Municipal e os avanços conquistados em 29 anos de existência

por João Cândido Martins — publicado 09/10/2015 12h50, última modificação 26/05/2022 14h39
A Guarda Municipal e os avanços conquistados em 29 anos de existência

Registro feito por ocasião do 25º aniversário da Guarda Municipal, que reuniu integrantes de vários períodos da história da instituição. (Foto: acervo da Guarda municipal de Curitiba)

Neste sábado (10) é comemorado o Dia Nacional da Guarda Municipal e a passagem dos 29 anos da instituição em Curitiba – no último 4 de agosto –, foi marcada pelo fato de que tem vivenciado recentes e significativas transformações. Uma delas se deu quando a Câmara Municipal aprovou e a Prefeitura sancionou o Plano de Carreira dos integrantes da entidade (lei 14.522/2014), documento que estabeleceu alguns benefícios para a categoria como o enquadramento salarial por tempo de serviço e o incentivo de aperfeiçoamento. Também é do ano de 2014 o Estatuto Geral das Guardas Municipais (lei federal 13.022/2014). Esta legislação confere poder de polícia aos agentes das guardas instituídas pelos municípios. Pretende-se agora criar um memorial para a preservação do patrimônio da Guarda.

Atualmente tramitam na Câmara seis projetos de autoria dos vereadores e um do prefeito que estão relacionados de forma direta à Guarda Municipal. Uma destas proposições, de iniciativa do vereador Felipe Braga Côrtes (PSDB), pretende conferir aos agentes da instituição a prerrogativa de emitir multas de trânsito em colaboração com os demais órgãos competentes, como a Secretaria Municipal de Trânsito (Setran). Recentemente acatado na Comissão de Serviço Público, o projeto pode promover uma alteração que afetaria a natureza do órgão e de seus agentes.

Além destas mudanças jurídico-administrativas, é necessário lembrar que a instituição Guarda Municipal (não só a curitibana) é tema de constantes debates sobre sua estrutura e suas prerrogativas, o que é natural, considerando que ela é uma peça-chave para a administração da segurança urbana. As Guardas Municipais estão na agenda do dia, fato demonstrado pelo alto interesse em torno da carreira.

O concurso público promovido pela Prefeitura de Curitiba neste ano de 2015 para cargos da Guarda Municipal atraiu 26 mil candidatos, um número considerado expressivo pelo diretor da instituição, inspetor Cláudio Frederico de Carvalho. Para ele, “a proporção entre o número de candidatos e número de vagas disponíveis foi equivalente a um exame vestibular. O objetivo é sempre procurar a melhor qualificação dos nossos agentes”.

Memorial
O inspetor Frederico, além de dirigir a instituição, é um pesquisador da história da Guarda Municipal. Autor de livros que abordam o tema sob inúmeros aspectos, ele acredita que a preservação do patrimônio da Guarda é necessário. “Infelizmente a Guarda não dispõe um local adequado para exibir seu acervo, cuja importância não está vinculada exclusivamente à história institucional do órgão, mas também à história da segurança pública em Curitiba”, argumenta.

Da mesma forma pensa a supervisora da Guarda Municipal, Regina Cecília Grohs Giacomitti, formada na 1ª turma da corporação (1988) e que hoje atua na Comissão de Avaliação Documental da Guarda. Além de colecionar fotos, cartazes e uniformes antigos, Cecília pesquisa referências sobre a Guarda Municipal de Curitiba e sobre sua predecessora, a Guarda Civil (1911-1970) em legislações e jornais antigos. Para ela, a sede da Guarda [o antigo Quartel General da 5ª Região Militar] na esquina das ruas Presidente Farias e Presidente Cavalcanti, não é apropriada para a manutenção do acervo histórico do órgão. “Acreditamos”, diz Regina “que a divulgação desse material seria do interesse da população, mas não dispomos de condições físicas para armazenar os objetos, muito menos exibi-los”.

A criação da Guarda Municipal
Em 1984, por iniciativa do então vereador José Maria Correia, teve início o trâmite na Câmara Municipal de Curitiba do projeto de lei 56/84, que propunha a criação de um grupo de segurança com o objetivo de resguardar locais e bens públicos. A proposta foi avaliada ao longo de dois anos, até que, aprovada em plenário, foi sancionada em 17 de junho de 1986 pelo então prefeito (e atual senador) Roberto Requião, tornando-se a lei municipal 6867/1986. Neste momento o grupo de segurança possuía a denominação Serviço de Vigilância de Curitiba (Vigiserv) e os agentes estavam enquadrados no regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Conforme destaca o inspetor Claudio Frederico, o fato se deu exatamente 16 anos após a extinção definitiva da antiga Guarda Civil, em 1970.

O texto da lei 6867/86 em seu artigo 2º estabelecia entre as competências dos novos agentes municipais de segurança “exercer a vigilância interna e externa sobre os próprios municipais, parques, jardins, escolas, teatros, museus, bibliotecas, cemitérios, mercados e feiras livres”. Tal vigilância se daria no sentido de proteger estes equipamentos e locais públicos de crimes contra o patrimônio, sinistros e vandalismo. Além disso, a eles também competia a orientação do trânsito de veículos em caráter auxiliar à Polícia Militar, assim como o controle da entrada e saída de veículos (caso isso se fizesse necessário).

O texto do artigo igualmente mencionava entre as atribuições dos vigilantes (guardas) a prevenção quanto a ocorrência de crimes (sem especificações quanto a sua natureza). Um aspecto interessante desta lei é a priorização da segurança das unidades de ensino, prevista no parágrafo 4º, inciso II do artigo 4º. Tal medida pode vir a ser regulamentada hoje por um projeto (005.00101.2013) de autoria do vereador Tico Kuzma (PROS) que está em trâmite nas comissões.

A constituição de 1988 não incluiu as Guardas Municipais entre as forças de segurança pública, mas facultou aos municípios a criação destas corporações para a proteção de bens públicos. Em 4 de agosto daquele mesmo ano, realizou-se a formatura da primeira turma da Guarda Municipal nas dependências do prédio Humberto de Alencar Castelo Branco, no Centro Cívico, onde hoje se localiza o Museu Oscar Niemeyer (MON). Por proposição do vereador Felipe Braga Côrtes (PSDB) esta data foi escolhida para marcar a comemoração do surgimento da instituição em Curitiba (lei 13.687/2011). Em 5 de outubro do ano seguinte, o então presidente da Câmara, vereador Jorge Bernardi (PDT) promulgou a lei 7356/1989 que alterava a denominação da corporação para Guarda Municipal de Curitiba.

Na primeira metade da década de 90, novas turmas se formaram, reforçando o efetivo da Corporação. São dessa época os surgimentos do Pelotão Escolar [destinado à segurança de escolas da rede municipal] e o Grupamento de Proteção Ambiental [Guarda Verde]. A comemoração dos cinco anos da corporação em 1993 coincidiu com os festejos alusivos aos 300 anos de Curitiba, quando o então prefeito Rafael Greca mandou confeccionar reproduções dos uniformes do regimento lusitano de Affonso Botelho de Sampaio e Souza (1780), conforme gravuras de época.

A conduta heroica de quatro Guardas Municipais também foi destaque na comemoração dos cinco anos da Corporação. Dois prestaram auxílio em um parto de emergência numa viatura da Guarda; outro ficou paraplégico num tiroteio durante um assalto ao Armazém da Família e o último morreu alvejado numa invasão na Cidade Industrial. Dos 110 guardas integrantes da turma inaugural, 56 permanecem em atividade.

No dia 10 de junho desse ano, próximo ao cruzamento entre as ruas André de Barros e Lourenço Pinto, no Centro, o guarda municipal Roni Fernandes de Freitas foi morto sem chance de defesa por um assaltante que fugiu do local. A identificação e o respeito nutridos pela população de Curitiba em relação aos integrantes da Guarda podem ser avaliados tomando por base a quantidade de manifestações de luto e solidariedade emitidas publicamente naquela ocasião.

Estatuto
A recente aprovação do Estatuto das Guardas Municipais, de iniciativa do Governo Federal, suscitou discussões e até uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5156) ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF) pela Federação Nacional de Entidades de Oficiais Estaduais (Feneme). Representativa do oficialato de Polícias Militares (estaduais), a entidade alega que a competência para legislar a respeito da matéria é dos municípios, isto é, não caberia ao Governo Federal propor a regulamentação do parágrafo 8º do artigo 144 da Constituição, que trata das Guardas Municipais.

A entidade também defende que a atuação policial não integra as atribuições das GMs. Para a Feneme, o Estatuto estaria equivocado ao autorizar que Guardas desenvolvam patrulhamento ostensivo, uma tarefa que compete constitucionalmente às Polícias Militares Estaduais. Outra questão levantada por alguns juristas é o fato de que a regulamentação de um dispositivo constitucional não pode ir além do que prescreve o texto constitucional, muito menos contradizê-lo. Nesse sentido, a ampliação de prerrogativas da GM estaria em desacordo com a Constituição, que limitou as Guardas à segurança do patrimônio público.

Mas há, também, vozes que defendem o poder de polícia para as Guardas Municipais. No artigo “Taxionomia constitucional das polícias de segurança no Brasil” Alfredo Marcos do Prado e Sérgio Tadeu Gonçalves Muniz lembram que o Plano Nacional de Segurança Pública de 2002 prevê maior atuação por parte das GMs que “devem agir como gestoras e operadoras na elaboração de soluções para a segurança pública”.

Para os articulistas, “quando se busca o policiamento comunitário (...) não há possibilidade de afastar a atuação da GM, mais próxima da população local e consciente das dificuldades enfrentadas em comunidades específicas. Evitar sua atuação ou ignorá-la como polícia é retrocesso burocrático, contrário à gestão gerencial, que prima pela descentralização da administração pública e melhoria nos resultados”.

Desde 1990 as Guardas Municipais promovem Congressos Nacionais e um dos principais temas é a defesa das atribuições das Guardas como agentes da Segurança Pública em âmbito municipal. Foi o caso, por exemplo, do congresso acontecido em Curitiba entre os dias 17 e 18 de setembro de 1992, que gerou a “Carta de Curitiba”. “Algumas formulações elaboradas naquela oportunidade para o texto da desta Carta e de outras que se sucederam desde os anos 90, foram posteriormente adotadas pelo legislador que propôs o Estatuto das Guardas Municipais, o que mostrou respeito pela categoria”, diz o inspetor Cláudio Frederico. Recentemente a Prefeitura de Curitiba manifestou seu posicionamento: com base no entendimento de que o Estatuto conferiu poder de policiamento preventivo às Guardas Municipais, apresentou projeto de lei que garante seguro de vida aos agentes da corporação (005.00005.2015).