Novo Regime Emergencial do Transporte é aprovado na Câmara de Curitiba

por José Lázaro Jr. — publicado 27/09/2021 17h40, última modificação 28/09/2021 13h20
Para virar lei, precisa ser aprovado em segundo turno durante sessão extraordinária na quarta à tarde e sancionado pelo prefeito.

Por 23 a 11 votos, os vereadores da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) aprovaram, em primeiro turno, o texto-base do Novo Regime Emergencial do Transporte Coletivo e a emenda protocolada pelo Executivo, rejeitando as outras nove apresentadas por vereadores. Foram 8h30 de debate em plenário até se chegar a esse resultado. A discussão começou pela manhã, quando os vereadores questionaram o presidente da Urbs, Ogeny Pedro Maia Neto, por quase três horas. À tarde, a discussão foi retomada às 14h e seguiu até a noite.

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De iniciativa do Executivo, o texto-base (005.00260.2021) é quase idêntico ao acatado pela CMC em 2020, ainda na legislatura passada (leia mais), que vigeu até 30 de junho deste ano - lei municipal 15.627/2020 prorrogada pelas normas 15.674/2020 e 15.782/2020. A Prefeitura de Curitiba está recriando o instrumento jurídico, com duas mudanças: estende seus efeitos até 28 de fevereiro de 2022 e autoriza a demissão de trabalhadores do transporte sem justa causa, vedada no arranjo anterior.

Votaram a favor Alexandre Leprevost (Solidariedade), Beto Moraes (PSD), Eder Borges (PSD), Ezequias Barros (PMB), Herivelto Oliveira (Cidadania), Hernani (PSB), João da 5 Irmãos (PSL), Jornalista Márcio Barros (PSD), Leonidas Dias (Solidariedade), Marcelo Fachinello (PSC), Mauro Bobato (Pode), Mauro Ignácio (DEM), Nori Seto (PP), Oscalino do Povo (PP), Osias Moraes (Republicanos), Pastor Marcelino Alves (Republicanos), Pier Petruzziello (PTB), Sabino Picolo (DEM), Sargento Tânia Guerreiro (PSL), Serginho do Posto (DEM), Sidnei Toaldo (Patriota), Toninho da Farmácia (DEM) e Zezinho Sabará (DEM). 

Foram contra Amália Tortato (Novo), Dalton Borba (PDT), Denian Couto (Pode), Flavia Francischini (PSL), Indiara Barbosa (Novo), Maria Leticia (PV), Noemia Rocha (MDB), Professora Josete (PT), Professor Euler (PSD) e Renato Freitas (PT). Marcos Vieira (PDT) votou 'sim' no painel, mas depois corrigiu oralmente seu voto, mudando-o para contrário. Tito Zeglin (PDT) se absteve da votação. Regimentalmente, Tico Kuzma (Pros), por presidir a sessão, declinou da votação. Carol Dartora (PT) e Salles do Fazendinha (DC) estavam ausentes da sessão por razões médicas.

De dez, uma emenda foi aprovada
Foi aprovada a emenda do Executivo que autoriza aportes ao Fundo de Urbanização para o pagamento total ou parcial das prestações relativas à renovação da frota (032.00057.2021). Foram 24 a 11 votos. Os financiamentos foram tomados pelas empresas junto a bancos privados. Maria Leticia (PV) pediu voto contrário, mas Petruzziello encaminhou favoravelmente, com base no defendido pela manhã pelo presidente da Urbs (leia mais). 

Por 24 a 11 votos, foi recusada a emenda supressiva que visava manter a fiscalização dos indicadores de qualidade do transporte coletivo (033.00016.2021), que é suspensa durante o Novo Regime Emergencial. Segundo a autora, Noemia Rocha, é fundamental manter o controle de qualidade, que é uma obrigação contratual da Urbs. Pela derrubada da emenda, Petruzziello argumentou que os indicadores perdem o padrão de referência com a oscilação da frota, motivando a suspensão.

Também foi recusada, por 27 a 7 votos, emenda da bancada do PT que exige contrapartida das concessionárias pelos aportes do Poder Público (032.00058.2021). Professora Josete defendeu que a medida, que torna gratuita a passagem de ônibus enquanto vigorar o pagamento do financiamento da frota pelo Executivo, fosse aprovada. Petruzziello pediu voto contrário afirmando que 20% da população já tem gratuidade garantida e que aumentar esse percentual encareceria o transporte.

Não obteve apoio do plenário outra emenda da bancada do PT, que recuperava artigo do regime emergencial anterior, proibindo demissões sem justa causa dos operadores do transporte enquanto durar a nova pactuação (032.00059.2021). No ano passado, o texto foi incluído a pedido do ex-vereador Rogerio Campos e aprovado pelo plenário. Na nova legislatura, a inclusão foi derrubada por 26 a 9 votos. Josete e Noemia Rocha pediram o apoio dos vereadores. Petruzziello encaminhou a votação contrária. “Se Ogeny falou que não vai ter desemprego [de operadores], não vai ter desemprego. A gente tem que confiar na palavra do presidente da Urbs”, disse o líder do governo.

“Completamente desconexa ao objeto. O tema é importante, porém não nos cabe aqui votar essa pauta nesse projeto”, disse Petruzziello, ao encaminhar voto contrário em emenda de Carol Dartora que sugeria, como contrapartida às empresas de ônibus, pelos aportes da Prefeitura de Curitiba, a distribuição de absorventes menstruais à população (032.00060.2021). Josete pediu voto favorável, mas a votação foi de 27 a 7, derrubando a proposta.   

Também foi rejeitada outra emenda de Dartora, que obrigava as empresas a retomarem a circulação de 100% da frota como medida para reduzir aglomerações (032.00061.2021). Josete pediu voto favorável e Petruzziello, posicionando-se contra, disse que “a Urbs precisa ter autonomia”. “Se tivermos 35% de passageiros e a Urbs mantiver 100% da frota, vai custar mais caro. Para verem a complexidade do contrato”, afirmou. O placar foi 26 a 8 votos.

“Queremos possibilitar que a sociedade civil, por meio do Conselho Municipal de Transporte, possa fiscalizar os repasses”, defendeu Marcos Vieira, autor de emenda aditiva prevendo esse acréscimo na lei (032.00062.2021). Para Petruzziello, a secretária de Finanças, o Tribunal de Contas do Estado e o Ministério Público do Paraná já são órgãos de fiscalização suficientes. “Confio que os órgãos de controle externo estão lá para isso”, afirmou. Prevaleceu a recusa à emenda, por 23 a 11.

Marcos Vieira argumentou que “quanto mais transparência tivermos, melhor fica” não convenceu a maioria dos vereadores a obrigar o Conselho Municipal de Turismo a prestar contas dos repasses às empresas à CMC (032.00063.2021). Foram 23 a 11 votos. Petruzziello, na discussão da emenda anterior, já tinha defendido que basta a atuação dos órgãos de controle externos já existentes. 

Em emenda modificativa, a bancada do PT sugere que o artigo 4º seja alterado para retirar o termo retroativo do Novo Regime Emergencial do Transporte Coletivo (034.00079.2021). “Hoje, o presidente da Urbs disse que não se tratava de retroagir [o regime emergencial], que era uma retenção. Dois termos com significados diferentes. Nesse sentido, não deveria ser essa palavra a constar ali, por isso suprimir o termo”, argumentou Josete. Contudo, a mudança não foi acatada, por 26 a 9 votos, após manifestação contrária de Petruzziello.    

Também foi rejeitada outra emenda da bancada do PT, com o mesmo sentido, de evitar que o Novo Regime retroagisse até o início da pandemia (034.00080.2021). Segundo Josete, manter isso seria “abrir a porteira”. Mas o argumento, novamente, não convenceu a maioria dos vereadores, perdendo a votação por 23 a 11 votos. “Para mim, é um absurdo a possibilidade de o Município rever os repasses que já fez, com a possibilidade de ampliar”.

Opinião da maioria
A votação em plenário mostrou que, entre os vereadores, prevaleceram os argumentos pró-Novo Regime Emergencial do Transporte Coletivo apresentados, pela manhã, pelo presidente da Urbs. Ogeny Maia Neto argumentou que, devido aos atuais contratos, a repactuação com as empresas custaria menos ao Executivo que a volta ao modelo pré-pandemia. Logo, ou se aprovava a renovação do instrumento jurídico, ou haveria o risco de a tarifa subir de R$ 4,50 para os R$ 8,11 da atual tarifa técnica.

Foi o que repetiu, à tarde, o líder do governo na CMC. “A única verdade que tem aqui hoje é que se esse projeto não passar, quem vai pagar a conta é a população de Curitiba”, disse Pier Petruzziello. Ele buscou separar o contrato com as empresas de ônibus, de 2010, “problemático”, das medidas à disposição da gestão Rafael Greca. “Se o prefeito não tivesse feito nada, a tarifa teria estourado há muito tempo”, defendeu, chamando a argumentação dos vereadores contrários à proposta de “lacração de rede social”.

“Não somos culpados pelos nós do contrato assinado lá atrás. Existe um contrato e ponto final! Quando tem, é obrigado a cumprir. O que a gestão tenta nesse momento é manter o serviço funcionando, sem aumento da tarifa, com responsabilidade”, acrescentou, colocando a desintegração com a Região Metropolitana como uma consequência da desaprovação da matéria. Isso criou uma linha argumentativa, defendida por João da 5 Irmãos (PSL), por exemplo, que “se daqui a pouco vai vencer o contrato [em 2025], temos que estar atentos e debater com a sociedade”. 

Nesse caminho, Fachinello foi mais enfático: “que no futuro a licitação não nos prenda”. Ele defendeu que a próxima licitação seja mais moderna, diferente dessa “péssima licitação em vigor”. A situação, para esse bloco de parlamentares, é que se a prefeitura enfrentasse as empresas na Justiça, perderia. “Juridicamente, as empresas ganharão. E esse valor [devido] pode ficar muito maior”, concordou Alexandre Leprevost. Até Eder Borges (PSD), que fez críticas ao aporte de recursos públicos nas empresas, votou com a prefeitura. “É uma sinuca de bico”, disse. 

Serginho do Posto (DEM) e Mauro Ignácio (DEM), que foram membros da CPI do Transporte, realizada em 2013, lembraram que a investigação apontou meios de reduzir a tarifa, e foi distribuída aos órgãos de controle externo, sem resultados práticos. Herivelto Oliveira (Cidadania), que votou com o Executivo, disse que ao menos a situação fez com que vários vereadores “acordassem” para o problema do contrato do transporte público. Adiantou que tem estudado uma proposta alternativa, para propor na substituição do modelo.

Houve também vereadores que se irritaram com as manifestações dos que eram contrários à proposta e que, na opinião de Hernani, por exemplo, se referiram à base de apoio da gestão Rafael Greca com desdém. “Nós, da base, somos responsáveis e queremos o bem da população. Eles querem tirar proveito da situação. Usar a população menos favorecida para movimento de massa. Não vamos cair nessa. Se não tivesse empresário, não tinha emprego. A gente é chamado de ‘fidelidade canina’, de ‘boiada’, de ‘imorais’. Tem vereador aí que não tem moral nenhuma para chamar a nós de ‘imorais’”, acusou.

“Não se trata de dar dinheiro para empresário”, afirmou Toninho da Farmácia, “mas de subsidiar o transporte para o povo de Curitiba”. “Se não houvesse a liberação do recurso, a passagem teria um aumento significativo, quase o dobro. Não adianta eu fazer discurso sensacionalista. Estou com a consciência tranquila”, continuou, rebatendo as críticas feitas por Dalton Borba ao ex-prefeito Beto Richa, à frente do Executivo quando houve a renovação do contrato do transporte. “Um dos melhores prefeitos [Beto Richa] da história de Curitiba”, concluiu.

Votos contrários
Amália Tortato e Indiara Barbosa, ambas do Novo, disseram que não teriam problema em apoiar o projeto, desde que ele estivesse tecnicamente correto. “[O Novo Regime Emergencial] apresenta os mesmos erros do aprovado no ano passado, pois a Lei de Responsabilidade Fiscal não é cumprida”, aponta Tortato. Ela lembrou que o regime anterior foi questionado no Tribunal de Contas e só vigorou até junho porque a prefeitura conseguiu liminar favorável na Justiça. 

“Tentamos analisar a documentação, planilhas, contratos… Não é possível fazer uma validação dos cálculos, uma validação da planilha.Ou seja, entender e validar de onde estão vindo as informações. Precisamos ter segurança que aqueles dados estão completos e corretos. É o que eu fiz a minha vida inteira, como auditora”, reclamou Indiara Barbosa. Ela engrossou o coro de quem se opôs ao regime de urgência, lembrando que doze projetos do Executivo já tramitaram desse jeito, neste ano, na CMC.

“Se o regime venceu no dia 30 de junho, teve desde o dia 1º de julho para apresentar [o projeto e a emenda do Executivo]. O presidente da Urbs deveria ter vindo no dia 1º de julho, não hoje. Alguém acha que ele ia trazer dados contra a concessão desse dinheiro? Ele mais parecia advogado das empresas de ônibus”, queixou-se Dalton Borba, para quem a aprovação em regime de urgência “é menosprezar a inteligência do público curitibano”. Ao justificar seu voto, Noemia Rocha comentou que o Executivo “quanto mais se explica, mais se complica”. “A população não pode pagar por contratos mal feitos”, acrescentou, pedindo a criação de uma comissão especial para já começar a rever os contratos.

“Ser dono de empresa de ônibus em Curitiba, eu não tenho dúvida, é o melhor negócio do mundo. É a expressão máxima do privatizar os lucros e socializar os prejuízos”, criticou o vereador Professor Euler. “Se o sistema estiver superavitário, as empresas têm o lucro garantido na planilha. Se for deficitário, o prejuízo é pago pela prefeitura, pago com dinheiro dos impostos da população. As empresas não precisam investir nada, basta fazer a gestão e o lucro é garantido. Lucro sem investimento. Pelo menos 10%. Qual é o empresário do mundo que não sonha em ter 10% de lucratividade?”, disse. Euler lembrou que a licitação de Curitiba, graças a delação premiada no âmbito da Operação Riquixá, motivou uma ação civil pública de anulação.

Recuperando que, durante a sessão, soube-se que já foram repassados R$ 286 milhões às empresas e que se estima mais R$ 120 milhões em aportes, Maria Leticia disse que isso não poderia acontecer sem contrapartidas à população. Ela defendeu que “o dinheiro público deve ser empregado de maneira mais justa, pensando nos cidadãos”. Ela defendeu incentivos à ciclomobilidade, disse que a população “está cansada de mandar vídeos [criticando a qualidade do transporte]” e que “não fazemos retórica para redes sociais, mas defendemos o que acreditamos”.

Bastante crítica à emenda que autoriza aportes da prefeitura para pagar financiamento das empresas para a renovação da frota, Professora Josete perguntou se “esse é o papel do poder público?”. “A mensagem fala em [repasse de] R$ 373 milhões”, continuou, lembrando que nesse período houve queda de aportes nos outros fundos municipais, ligados à execução de políticas sociais. Também destacou o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, pois “o projeto não apresenta estudo de impacto financeiro”. “É uma questão técnica que não está sendo cumprida. Não há dados que comprovem a necessidade, tampouco o estudo de impacto”, insistiu

“Estamos diante de um escândalo, que, se aprovado, o Ministério Público entrará em campo. Já passamos de R$ 286 milhões para as empresas, pelo menos mais R$ 120 milhões [com o Novo Regime] e R$ 10 milhões por mês [do pagamento do financiamento da frota]. Estamos falando, por baixo, de R$ 400 milhões. É imoral dar dinheiro a toque de caixa a um setor que é milionário, cujo contrato não tem risco, pois em qualquer dissabor financeiro o poder público corre atender”, disse Denian Couto. Ele fez questão de frisar que votou ao lado de vereadores dos quais discorda ideologicamente, mas que esse grupo esteve junto para “fazer o certo”. “Se você, em casa, está devendo um carnê, o poder público vai negociar em seu nome?”, perguntou, sobre a Urbs mediar a dívida das empresas com os bancos. 

Segundo turno
Para evitar um hiato de uma semana entre a votação em primeiro turno que ocorreu hoje e a segunda discussão, o presidente da CMC, Tico Kuzma (Pros), convocou uma sessão extraordinária para a tarde de quarta-feira, dia 29, às 14h. Normalmente, se aprovadas na véspera, as matérias voltariam ao plenário na manhã seguinte, mas o horário já estava reservado para prestações de contas do Executivo, nesta terça e quarta-feira (confira aqui).