Relator pede suspensão dos processos de despejo da Vila Domitila

por Michelle Stival da Rocha — publicado 05/05/2020 21h42, última modificação 05/05/2020 21h42 Reprodução do texto autorizada mediante citação da Câmara Municipal de Curitiba.
Relator pede suspensão dos processos de despejo da Vila Domitila

A CPI da Vila Domitila discutiu, nesta quinta-feira, um relatório preliminar da investigação iniciada em maio deste ano na Câmara de Curitiba por nove vereadores. (Foto: Chico Camargo/CMC)

A CPI da Vila Domitila discutiu, nesta quinta-feira (4), um relatório preliminar da investigação iniciada em maio deste ano na Câmara de Curitiba por nove vereadores. O texto foi lido na íntegra pela presidente do colegiado para os moradores que estavam presentes na reunião. Dentre as providências elencadas no documento, que contém 12 páginas, foi solicitada a suspensão de todos os atos judiciais dos processos de despejo em tramitação contra os moradores, até que se tenha o trânsito em julgado da ação demarcatória, ajuizada pela Família de Caetano Munhoz da Rocha.

Um relatório paralelo, com 40 páginas, foi apresentado por outro parlamentar, que preferiu não torná-lo público até que a CPI decida se vai acatar suas sugestões ou não, mas o autor quer mais detalhes. O relatório final será votado na próxima semana e entregue ao Ministério Público Federal (MPF) para que, se julgar pertinente, ofereça denúncia.

“O trabalho foi baseado nos depoimentos. Não foi um levantamento fácil. Tudo era muito antigo e não há documentação adequada. São 145 anos que datam estes terrenos. O INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] diz que a área é dele. Mas a gente não tem certeza que é, porque há documentos que indicam que existem duas origens, e os herdeiros do Caetano [Munhoz da Rocha, ex-governador] não sabem onde é o próprio terreno [que venderam ao INSS]. Para resolver, só pedindo o apoio do Ministério Público Federal”, disse a presidente da CPI. O vice-presidente da comissão garantiu que, quando o relatório for votado, um grupo de vereadores irá a Brasília entregar uma cópia também nas mãos do presidente da autarquia.

O documento reitera a necessidade de anular o decreto 520/1994, que substitui uma antiga planta, de 1959, medida já anunciada nas reuniões anteriores. Ao todo, o relatório contabilizou 28 pessoas ouvidas para tentar esclarecer questões sobre a posse de uma área com 191.480m², localizada na Vila Domitila, que está entre os bairros Ahú e Cabral, que envolve 250 famílias.

Para a moradora Sônia Brasil, o resultado preliminar foi “um alívio”. “Acredito que teremos uma base legal para resolver essa situação. Acho que vamos poder dormir mais aliviados. A partir do momento em que suspenderem essas ações, o Ministério Público vai conseguir trabalhar e não vai dar para fazer vistas grossas. Acredito que agora a gente vai ter um sossego”, disse.

Suspensão imediata
O relator justifica o pedido de suspensão imediata dos atos judiciais devido ao fato de os representantes da Família Munhoz da Rocha, em seus depoimentos, terem informado que não sabem exatamente a localização dos imóveis vendidos ao INSS. “Dos 300 mil m² pertencentes originalmente a [Caetano] Munhoz da Rocha, 191.480m² (308 lotes) foram vendidos ao INSS em 1944. Depois de doações e desapropriações realizadas pela prefeitura, dos 300 mil originais restaram à família hoje aproximadamente 30 mil m²”, diz o documento, com base nas afirmações do advogado José Oscar Teixeira.

À CPI foi informado por Teixeira que já foram construídos dentro da área pertencente ao INSS os prédios vendidos aos próprios servidores, o Centro Hospitalar de Reabilitação Ana Carolina Moura Xavier e a Associação Paranaense de Reabilitação. Isso, para o advogado, já ocuparia “boa parte dos 191.480m²”.

Duas versões
Durante as investigações, a CPI ouviu duas versões sobre o mesmo terreno, que estão contadas de forma resumida no relatório. Segundo os moradores, existem dois terrenos diferentes. Aquele que está atrás da Penitenciária do Ahú, onde hoje eles vivem (Vila Domitila), foi dos herdeiros de Jorge Polysú. O outro, comprado pelo INSS do ex-governador Caetano Munhoz da Rocha, seria em frente ao presídio, tendo como divisa a avenida Anita Garibaldi. “Os moradores alegam que a Prefeitura providencialmente alterou as divisas dos rios: rio Juvevê e córrego Juvevê, pois precisava transmutar a localização do imóvel para onde implantariam o loteamento da Vila Domitila”, diz o documento.

A versão do INSS diz que só existe uma área, atrás da Penitenciária. A grande discussão da propriedade diz respeito à suposta propriedade de espólio de Jorge Polysú e sua mulher Affonsina Polysú. O terreno deles seria em Colombo, na região metropolitana, e foi herdado por Abdon Soares e Mylka Polysú Soares. Esses dois últimos teriam induzido o cartório a erro, “transpondo” os registros sobre a área do INSS (Vila Domitila), loteando e vendendo aos moradores (leia mais).

Erros apontados
No relatório, foram apontados “erros” tanto da prefeitura quanto do cartório com relação à primeira planta da Vila Domitila, datada de 1927 – que antes da CPI era considerada “desaparecida” pelos moradores, mas que em junho deste ano reapareceu. “O primeiro erro analisado pela CPI diz respeito ao 'sumiço' da planta dentro da prefeitura e do Cartório de Registro de Imóveis”, diz um trecho do documento.

Outro “erro” foi a planta ter sido desenhada com as quadras e os lotes devidamente reconhecidos pela Prefeitura Municipal, mas sem seu necessário protocolo. “A próxima planta apresentada e registrada na prefeitura e no Cartório de Registro de Imóveis foi em 1944, quando foi realizada a venda de parte da área ao INSS (191.284 m²), na qual não aparece nenhum lote dividido, apenas as quadras.”

Foi ressaltado ainda que, no dia 22 de junho, o cartorário Jorge Luis Moran, do 6º Registro de Imóveis de Curitiba (onde estava registrado o imóvel do INSS), afirmou em depoimento que uma planta de 1959 poderia mostrar a localização dos lotes pertencentes ao INSS. “Segundo ele, esse documento foi modificado em 1977 pelo antigo departamento de Urbanismo da prefeitura, mas foi retirado em 1981, quando o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários – IAPC (atual INSS) requereu o cancelamento da planta”.

Com isso, teria voltado a valer a de 1959, até que, em 1994 foi realizado um novo levantamento que deu origem à última planta da região. “Ocorre que o Prefeito da época não se atentou que após a promulgação do decreto, as famílias ficaram totalmente desamparadas, tendo em vista que o INSS conseguiu regularizar toda a área em seu nome, não dando chance de negociação com os moradores que ali se encontravam. Dessa forma, os Vereadores membros dessa CPI requerem com urgência a revogação do Decreto 520/1994.”

Indenização às famílias
O relator defende que os posseiros que ele considera de “boa-fé”, ou seja, aqueles que adquiriram o imóvel na Vila Domitila de Mylka Polysú e Abdon Soares antes do ano de 1984, sejam indenizados por danos morais e materiais, “por participar de um erro de registro e sobreposições de áreas”. “Após terem os registros em seus nomes, os herdeiros [Mylka Polysú e Abdon Soares] realizaram a venda dos imóveis para os moradores da Vila Domitila, em meados da década de 60, mas em 1984 transitou em julgado a decisão que deu o direito de posse dos imóveis dos herdeiros Polysú ao INSS. Assim, por um erro de Cartório, as famílias de boa-fé que adquiriram os imóveis nesta época compraram seu bem com o registro, matrícula e todos os documentos legais, alegria que perdurou por cerca de 20 anos, até que o INSS iniciou as demandas em desfavor das famílias”, diz o relatório.

Instalação da CPI
Após o pedido de moradores realizado no fim do ano passado, em maio deste ano a Câmara instalou a CPI para investigar a disputa deles com o INSS por uma área de 191.480m² na Vila Domitila. Aproximadamente 250 famílias brigam na Justiça pela posse, sendo que mais de 40 já foram despejadas. Todas as informações sobre as investigações da Câmara estão reunidas em um hotsite criado pela diretoria de Comunicação, acompanhe tudo por aqui.

Período eleitoral
Durante o período eleitoral, a Câmara de Curitiba não divulgará notícias com nomes de vereadores. A instituição faz isso em atendimento às regras eleitorais deste ano, pois no pleito municipal serão escolhidos a chefia do Executivo e os vereadores da próxima legislatura (2017-2020). Para que a comunicação pública do órgão não promova o desequilíbrio do pleito, a autoria dos documentos ficará restrita aos documentos anexados.

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Moradores acompanharam a reunião e ouviram a leitura do texto preliminar com o resultado das investigações. (Foto: Chico Camargo/CMC)